LINHA FONÉTICA
Era uma linha fonética no vidro.
Linha como árvore obsessiva deste livro,
como linha verdadeira, como página
que se organiza por causa dela.
Linha que não era de comboio, linha sem agulhas
penduradas, sem linha da mão, sem linha
de gente do outro lado da linha, de gente
que quer manter a linha. Linha fria de transparência,
fria de vidro, de janela deitada, de tentativa de poema.
Linha sem o branco da noite nos outros, sem o pó
da noite nos outros. Assim era a minha linha:
linha realmente fonética, absolutamente inalterável.
AFINAL, A MEMÓRIA
Afinal eram iguais os homens
as mulheres
vistos de cima
quando abanavam ligeiramente a cabeça
para a frente e para trás
ao mesmo tempo,
ou se inclinavam nas horas da infância, da minha infância,
ou quando mexiam no cabelo uns dos outros
para eu adormecer.
Afinal a memória era um lugar parecido
com a memória, e o sonho era um lugar parecido
com a memória, e nós talvez fôssemos todos, na verdade,
parecidos
uns com os outros.
(Filipa Leal, in "O problema de ser norte"/ Deriva Editores)
Sem comentários:
Enviar um comentário