31/12/09

Bom 2010

valter hugo mãe regressa ao TCA



A PRIMEIRA DAS QUINTAS DE LEITURA DE 2010 É “BOMBA”

A sessão "BOMBA" marca o regresso do poeta e romancista valter hugo mãe às "Quintas de Leitura" promovidas pela Câmara Municipal do Porto, através da Fundação Ciência e Desenvolvimento. Será a sua 6ª presença neste ciclo poético, num espectáculo a realizar dia 28 de Janeiro de 2010, às 22h00, no Auditório do TCA.

"Bomba" é uma narrativa poética, inédita, de valter hugo mãe, escrita em jeito de homenagem a Mário Cesariny. A leitura dos 12 textos que compõem a obra será assegurada pelo próprio autor, que se fará acompanhar por Adolfo Luxúria Canibal, Isaque Ferreira, Rui Spranger e Sandra Salomé. A convidada especial Ianina Khomelik, violinista russa, também intervirá neste momento.

O jovem fotógrafo Nelson D' Aires, prémio revelação FNAC em 2006, dá imagem à sessão.

O sempre esperado momento de dança será, desta feita, afirmado por dois elementos da companhia "Bomba Suicida". Tânia Carvalho e Luís Guerra apresentarão a peça "HURRA! ARRE!" (versão Boca de Cena), numa ousada coreografia de Luís Guerra.

Fica para o fim um dos momentos mágicos da sessão - estreia nas "Quintas de Leitura" do trio lisboeta TIGRALA formado por Norberto Lobo (um dos mais promissores e celebrados guitarristas portugueses da nova geração), Guilherme Canhão (guitarrista dos Lobster) e Ian Carlos Mendonza (percussionista mexicano).

Oriundos de universos musicais que poucos achariam compatíveis, os TIGRALA apresentam-se em formato acústico, com Norberto Lobo a trocar a guitarra pela tambura, Guilherme Canhão a desligar a sua guitarra da corrente e Ian Carlos Mendonza a esticar criativa e melodicamente o conceito de percussão.

Em suma: uma noite bombástica, acima de todas as suspeitas.

Espectáculo para maiores de 18 anos.

Bilhetes a 9,00 e 6,00 Euros.

A PRÓXIMA "QUINTA DE LEITURA". IMPERDÍVEL.

Intitula-se "BOMBA" e realiza-se no dia 28 de Janeiro (22h00).
Trará ao palco do Auditório do TCA um mar de estrelas.
Vejam só:

valter hugo mãe (poeta convidado)

Adolfo Luxúria Canibal, Rui Spranger, Isaque Ferreira e Sandra Salomé (leituras)

Nelson D´Aires (fotografia)

Tânia Carvalho e Luís Guerra (dança)

Tigrala
(Norberto Lobo, Guilherme Canhão e Ian Carlos Mendonza)

e ainda a participação especial da violinista russa Ianina Khmelik.

Foi você que pediu uma sessão bombástica?

29/12/09

A POESIA DE ADÍLIA LOPES

A árvore de Natal
não é uma árvore
que foi cortada
é o pinheiro-bravo
a entrar pela janela
com as raízes enraizadas
na terra
do jardim
do bungalow

O NORTE DA EUROPA

I

O Pai Natal coberto de lantejoulas ia subindo a ladeira com ar circunstancial. O cumprimento que me dirigiu, corrigido por um gesto de perfeita cortesia, era tão naturalmente rico de proteínas que se comia à mão, em fato de baile.
Os dias iam correndo pela mão daquela cujo nome se vai ocultar na Península da Gata, a norte do Carvoeiro.
«É assim que cumpres?», perguntou Júlia Bahamas. Respondi que não era ainda tempo de colher maçãs e que também as uvas estavam por amadurecer. E acrescentei, exclamativamente:
«Ó Estações!»
Mas aí já ninguém ouvia ninguém, o círculo apertava-se coberto de espuma.

Mário Cesariny/António Dacosta
Primavera Autónoma das Estradas

23/12/09

UMA ESPÉCIE DE CONTO DE NATAL

Reuniam-se aos domingos à tarde
na leitaria
com os casacos de pele de zebra e os bichos
ao pescoço de olhos de vidro
na juventude tinham sido
criadas de servir
e toda a vida tinham lutado
por uma boneca loira em cima da cama
com colcha de cetim cor-de-rosa e passamanarias
a ponto de dormirem no chão
transidas de frio
bebiam chá comiam torradas
com muita manteiga
e pediam bolos de creme colorido
uma vez por outra o criado simpático
(havia um outro mas com maus modos para elas)
conseguia arranjar-lhes restos
de bolo de noiva
e as três exultavam então
só por acanhamento não encomendavam
um bolo de noiva para as três
num dia de Natal particularmente frio
sentiram qualquer coisa
nas saias plissadas
era um rato vulgar com um olhar
muito meigo e assustado
afeiçoaram-se logo ao animal
que levaram para casa comovidas
chamavam-lhe o nosso menino lindo
e consentiam-lhe tudo
o rato de noite roía as três bonecas
e as três de manhã iam contemplar os estragos
como aquelas pessoas que se deixam ficar paradas
diante da casa onde se consumou o crime hediondo
ao menos podiam ter arranjado um cão
ou uma criança da Santa Casa
quando o rato adoeceu chegaram a ser insultadas
nas salas de espera das clínicas veterinárias
(a excentricidade nos afectos mais tarde ou mais cedo
sai cara)
o rato ficou internado uns dias
e elas suspeitaram que tinha sido trocado
desconfiaram então muito das instituições
o mundo afinal era uma encenação
e não valia a pena perguntar
se um criado um veterinário ou um bolo de noiva
eram a sério ou a fingir
só se podia tentar averiguar se a encenação
revelava bom gosto ou não

(poema de Adília Lopes, in "Dobra"/Assírio & Alvim)

22/12/09

NATAL DE 1964

Este ano a quadra festiva vai ser melhor do que nunca

no seu centro vai haver
um grande grande ramo de flores
que é por onde vão entrar
uns atrás dos outros de cabeça pra baixo
os rapazes de mais categoria das artes e das letras
uns atrás dos outros de mãos dadas
cantarolando com a boca cheia
e escorregando docemente escorregando
para debaixo da mesa
onde os espera Jesus
para introduzi-los na grande sala de recepção ao vómito

Quanto ao autor destes versos
aguardará um telefonema até ao último momento
mas à cautela e antes que seja tarde
já comprou um cachucho
que mandou fechar à chave no seu cofre-forte

(poema de António José Forte, in "Uma Faca Nos Dentes")

21/12/09

Uma Família Inglesa
















Fotografias de Ana Pereira

Uma Família Inglesa
O Serviço Educativo e as Quintas de Leitura do TCA, numa nova iniciativa em conjunto propuseram, desta feita, uma leitura encenada do clássico "Uma Família Inglesa" de Júlio Diniz, numa adaptação do escritor Manuel Jorge Marmelo para a Colecção de Clássicos da Literatura Portuguesa Contados às Crianças.

Tratou-se de um projecto destinado a famílias, multidisciplinar, reunindo à volta da obra a criatividade e o talento de quatro artistas.

Concepção: João Gesta e Rute Pimenta
Leituras: Ângela Marques
Fotografia e Vídeo: Ana Pereira e Paulo Américo
Música: Hugo Osga com os instrumentos GU CHANG ( china), BUL BUL TARANG (Índia), DUM DUM (África , etnia Mandinga) Cabaça Africana Dentro de Alguidar de Água e Berimbau de Boca (Sibéria).

Desenho de luz: Diogo Barbedo
Desenho de som: Luís Carlos Pereira.
Este espectáculo estreou no TCA dias 12 e 13 de Dezembro de 2009.

NATAL

A caixa com os enfeites da árvore de Natal guardada no fundo do armário; os filmes bíblicos; a reportagem dos telejornais sobre um homem vestido de pai Natal a andar de trenó na Lapónia; as guerras que param durante a véspera e o dia de Natal; a reportagem sobre a ceia de Natal dos sem-abrigo; o Coro Infantil de Santo Amaro de Oeiras; os anúncios de brinquedos cada vez mais surpreendentes: bonecas que fazem isto, robots que fazem aquilo; o Natal dos Hospitais; os domingos passados em pijama, no sofá; a sensação de que nos pode sair o brinde do bolo rei; a comida; os circos; as compras; as ruas com luzes de Natal; velas, sinos, bolas, estrelas; os homens que passam a tarde vestidos de pai Natal no centro comercial; as palavras "especialidades de Natal" escritas em quadrados de papel na montra das pastelarias; os objectos partidos que ficam abandonados nas prateleiras quase vazias da secção de promoções; a senhora da caixa a olhar-nos nos olhos e a dizer: "verde código verde"; as pessoas que são contratadas para passarem dias a embrulharem presentes sem parar; os postais de Natal que as empresas se lembram de enviar para agradar aos clientes; as mensagens de telemóvel que as pessoas enviam, querendo desejar boas festas e tentando ser originais; os emails que as pessoas enviam, querendo desejar boas festas e tentando ser originais; os aquecedores, as lareiras e as braseiras; a lembrança da missa do galo; os amigos, os vizinhos, os tios, os primos, os irmãos, os cunhados, os sobrinhos; os avós sentados num canto da sala, a assistirem a tudo, a sorrirem, em silêncio; e os pais, e as mães, e os filhos.

(texto de José Luís Peixoto)

TV Porto no site da CMP


Veja reportagens sobre as Quintas de Leitura clicando aqui.

18/12/09

Ontem à noite - CERCO VOLUNTÁRIO


Sónia Baptista - "Rouge"

Vasco Gato, Catarina Nunes de Almeida e Pedro Lamares.


Vasco Gato

Catarina Nunes de Almeida e Pedro Lamares

Pedro Lamares



Marta Bernardes canta na performance "Mofo", com Henrique Fernandes e os Balla Prop.

Durante a performance de Marta Bernardes





Tó Trips deu a conhecer temas do seu novo disco "Guitarra 66".

Fotografias de Sara Moutinho

15/12/09

AQUI HÁ GATO

É já na próxima quinta-feira que o Café-Teatro do TCA receberá um mar de estrelas.
Só para recordar:

VASCO GATO
CATARINA NUNES DE ALMEIDA
PEDRO LAMARES
SANDRA FILIPE
SÓNIA BAPTISTA
MARTA BERNARDES
HENRIQUE FERNANDES
AS BALLA PROP
TÓ TRIPS


Junte-se a nós. Nós gostamos de o surpreender.

09/12/09

AS "QUINTAS DE LEITURA" RECEBEM VASCO GATO

lua cheia


nas palavras lavo os panos tristes
que ao fim de uma estação retêm agora
a sensação dos dias, o lume dos passos.


sinto que é um outro tempo,
um outro jeito de dobrar esquinas,
um outro modo de pisar a terra
- é tudo isto comprimido num pulso,
cingido dentro de veias como pequenas vozes
mudadas em canções ao acordar do ano.


vem, vem comigo, neste magnífico nascimento,
ouvir bater a espuma no cinzento das rochas,
e deixar passar as horas como quem flutua
à tona do tempo, inteiramente mergulhado no mundo
- vem dormir sob o luminoso manto da lua cheia.


hei-de dizer-te um dia
como se escolheu a cor do mar.

x-x

suspiro tardio


se ao menos eu sentisse totalmente
o movimento da terra em volta do sol.
se eu pudesse conhecer o segredo
da germinação sem roubar da terra
a vida enorme, o rebentar largamente.


se me fosse permitida a amplitude,
a alegria, o agora das planícies
em fim de tarde, e eu não mais
precisasse de trabalhar a atenção,
assim descalço sobre a realidade.


promete-me que amanhã virá a lua
e que, na imensidão da noite iluminada,
cantaremos o mar um para o outro.


promete-me que no fim terei existido.

(poemas de VASCO GATO, in "Um Mover de Mão"/ Assírio & Alvim)

07/12/09

VASCO GATO

Foste tu desintegrar o espelho da tua própria carne.
Saberes que te conjuga uma estrela de mão
esquerda, essa inesperada
sombra
que se infiltra no teu suor, trémula,
como os recém-nascidos,


e rutila.


Foste tu atrair sobre ti
a sorte das vagas desirmanadas, o esqueleto
de um incêndio, os amuletos que
os gatos transportam no
escuro.


Foste tu contornar os venenos,
com o verão à espera de te ver cair.


Foste tu a esperança de um copo, na cena
derradeira da minha boca, o espaço e a esquina
que me denuncia,


quando o segredo cai ao chão,


e a estrela corre da mão esquerda para o fulcro do peito.

x-x


No peito, a manivela ferrugenta
que faz abrir a respiração
começou a emperrar
e o corpo aprendeu rapidamente:
o suor como se a roupa
fosse um antídoto.


O belo cavalo branco de cascos
impretéritos avançou
então
pelas vértebras
mas não impediu que a imagem
fosse real.


Cordas de piano
por onde trepam os assassinos
e onde por vezes
se enforcam
antes de alcançarem a janela,


o repto impune dos que dormem:


vela-me.


x-x


O homem é um raio desabitado. E a terra dissipa-o.


(Poemas de VASCO GATO, in "Omertà"/Edições Quasi)

04/12/09

AS CONTAS DAS QUINTAS

(fotografia da Pat)

NÚMEROS SÃO NÚMEROS. SEM COSMÉTICAS, NEM TRATAMENTOS RECTIFICATIVOS.

UNS ACHARÃO BEM, OUTROS NEM POR ISSO. NÓS ACHAMOS QUE HÁ AINDA UM LONGO CAMINHO A PERCORRER.

EM FRENTE, MARCHE!

ANO - Nº ESPECTADORES - TAXA DE OCUPAÇÃO DE SALAS

2003 - 1.576 - 99,1%

2004 - 2.205 - 95,5%

2005 - 1.690 - 93, 1%

2006 - 2.129 - 99, 3%

2007 - 2.840 -98,1%

2008 - 2.558 -95,8 %

2009 (previsão) -2.370 - 97%

João Gesta, programador.

MAIS UM POEMA DE VASCO GATO

Vi árvores de cera arder num peito descoberto.
A luz precipitada na paisagem, devorada
pelos olhos até celularmente
o corpo
se acender.


Então, a sombra. Que é um desenho.
Que é um prestígio do movimento.


Quero explicar a FOME. Quando a chama
se extingue e sobram flores de cera,
frias,
para dedos cegos - então a carne
é essa paisagem que evolui.


Roupa estendida em noites de navios.
Uma bússola a morder
a boca que tudo perde.
Vento, vento quase mero espaço,
a intriga de duas paredes.


15 mil cães numa cidade.

(poema de VASCO GATO, in "Omertà"/ Edições Quasi)

02/12/09

“Cerco Voluntário”de Vasco Gato com entrada livre



Uma festa sublime de Poesia

A 98ª sessão do ciclo poético "Quintas de Leitura" ficará marcada pela presença de Vasco Gato, justamente considerado como uma das vozes mais importantes da chamada "novíssima poesia portuguesa".

A sessão, intitulada "Cerco Voluntário", realiza-se no dia 17 de Dezembro, às 22h00, no Café-Teatro do TCA, e assinalará o lançamento do 13º livro da colecção "Cadernos do Campo Alegre". O livro, também intitulado "Cerco Voluntário", é da autoria de Vasco Gato, o poeta convidado desta sessão.

Refira-se que por esta colecção, sob a direcção editorial de João Gesta, programador das "Quintas de Leitura", têm passado nomes importantes da poesia portuguesa como Marta Bernardes, Filipa Leal, Daniel Jonas, valter hugo mãe, Gonçalo M. Tavares, Daniel Maia-Pinto Rodrigues e Regina Guimarães.

A sessão de lançamento de "Cerco Voluntário" será uma longa e sublime festa da Poesia, cheia de convidados e momentos especiais.

A poeta Catarina Nunes de Almeida falará sobre o novo livro de Vasco Gato e será ajudada pelo actor Pedro Lamares na leitura de alguns poemas da obra. Vasco Gato também fará algumas leituras.

A imagem da sessão é assinada pela artista plástica Sandra Filipe, também responsável pela capa do livro, que assim se estreia nas "Quintas de Leitura".

No habitual e sempre esperado momento dedicado à performance, Sónia Baptista regressa com a irreverência de sempre, para nos mostrar a sua peça inédita "Rouge".

Como sempre, nas noites das "Quintas", muita música nos espera:

Marta Bernardes, cantora, artista plástica, poeta, filósofa, performer, videasta, e o que mais não se sabe, surpreender-nos-á com "Mofo". Actuará com os músicos Henrique Fernandes e as Balla Prop.

A noite fechará em beleza com um concerto de trinta minutos protagonizado por Tó Trips, membro da banda Dead Combo, que nos dará a conhecer temas do seu novo disco "Guitarra 66".

A boa notícia:

A entrada é LIVRE, sujeita a levantamento de bilhete até ao limite da lotação da sala. Depois não diga que as "Quintas de Leitura" não estão atentas à crise...

Junte-se a nós, na noite de 17 de Dezembro. Nós gostamos de o surpreender.


Uma enchente para assistir ao espectáculo de Pedro Tochas





Fotografias de Raquel Viegas
captadas na sessão de Quintas de Leitura do TCA - Lado B de Pedro Tochas,
a 26 de Novembro de 2009.

VASCO GATO NAS "QUINTAS DE LEITURA". DIA 17 DE DEZEMBRO. SESSÃO IMPERDÍVEL.

SONATA


O violoncelo encosta a cabeça ao teu ombro
e é um lamento ainda vegetal que lhe sai do sangue
quando o arco rasga o ar, o silêncio, a mão.


Fechas e abres os olhos, há gente a escutar,
as paredes curvam-se e estalam, tudo é frágil,
e a partitura é sempre um pouco além do olhar.
Os dedos levitam sua dureza sobre as cordas,
estremeces amarrada à vertigem da tua
própria queda - nisto se ergue a música.


Também tu não possuis trastos, tacteias
interiormente em busca das notas particulares
e do movimento inspirado.


Há uma demorada e subtil alquimia nesta sala.


E o violoncelo é o imóvel instrumento
da tua trágica, suave aparição.

x-x

DO CAIS


Todos os barcos partiram já
deste cais improvisado no abandono
das memórias queimadas, partiram sem velas,
e ninguém reconheceu o rasto incerto
do definitivo longe.


Só agora dou pelo peso do esquecimento.
A espuma embrulha-me com limos, espanto e sal.
E uma inviolável concha flutua na minha existência.


Apago as estrelas com a manga da absoluta solidão,
percebo que nenhuma luz me habita os olhos
- e fico cego diante do espelho.


Ninguém reconheceu que se morria.

(poemas de Vasco Gato, in "IMO"/Edições Quasi)

30/11/09

70.000 PÁGINAS VISITADAS


Festejamos com um belo poema de Vasco Gato, as (quase) 70.000 páginas visitadas ao blogue das "Quintas de Leitura".


DA PAIXÃO

É pelas horas amarrotadas do dia
que fulgura o centro vivo da paixão.

E o coração é como um astro privado.

Ao fundo, posso ver: lutas por raspar
toda a matéria espelhada
do teu corpo. Desejas existir.
Mas a pele, agora o sabes, é
uma dura conquista.

A demorada beleza dos lírios
foi sempre o demorado lugar
da trégua. Apresentas o rosto
marcado pelo rodar das sombras,
e nas pálpebras o lucilar
tranquilo da idade.

Desapertas a luz, enches os olhos
das imagens impossíveis: todas
as muralhas se afundam na terra,
e o trapézio da noite balança
entre a boca segredada
e o espelho.

Atiras-te por fim para a tua própria
existência. O coração estanca,
transborda de sangue,
e o teu corpo dando nós,
vértebra por vértebra,
em torno do centro vivo da paixão.

(poema de Vasco Gato, in "IMO"/ Edições Quasi)