26/12/07

GLÓBULOS AO VENTO

Vale o que vale. É apenas a opinião do programador João Gesta, depois de ouvir atentamente os comentários da sua equipa e de alguns fiéis seguidores do ciclo. Tudo no âmbito das Quintas de Leitura, está bom de ver:

MELHOR SESSÃO DO ANO - «Amantes e outros nomes de família» - sessão dedicada à Poesia de Maria do Rosário Pedreira com Fado de Aldina Duarte. AQUI.

MELHORES MOMENTOS MUSICAIS - Aldina Duarte e Dead Combo. AQUI.

MELHOR FLYER DO ANO - «Arquivo de Nuvens» da autoria de Marta Bernardes e Telmo Sá. AQUI.

REVELAÇÕES DO ANO - Marta Bernardes (na escrita); Mônica Coteriano (na performance); Inês Veiga de Macedo (na leitura).

A todos os que participaram e nos ajudaram a crescer, o nosso eterno agradecimento e a nossa profunda admiração.

21/12/07

Um Natal de Poesia e Sonho


A casa onde nasceu
de
José Luís Peixoto


Rita Burmester (fotografia)



A mesa estava posta, mas a sala de jantar ainda estava deserta. Na lareira, dois pequenos troncos adormeciam numa cama de chamas brandas. As paredes altas da sala de jantar seguravam o peso de quadros com rostos sisudos de avós de avós que já ninguém conhecia. Pelas janelas entravam os sons da cidade. Por ser noite de Natal, havia menos carros nas ruas e, por isso, distinguia-se melhor as vezes em que o rugido de um motor se aproximava e afastava do silêncio da sala de jantar ainda deserta. Invisíveis, os passos da mãe foram firmes no tapete do corredor. Distinguia-se o som do vestido a tocar nas paredes e no chão. Entrou e contornou a mesa sem olhá-la porque olhava e sorria apenas para dentro de si. Aproximou-se da lareira e, com a ponta da tenaz, explodiu fagulhas nos troncos. As chamas animaram-se de uma nova força e ergueram-se quase até ao início da chaminé. Assim ardia também o entusiasmo que a mãe tentava esconder, mas que mostrava em gestos súbitos e num sorriso permanente.
Ao longe, a porta do quarto da filha abriu-se. De repente, a mãe passou as mãos pelo vestido, tentando arranjá-lo para fingir que não o tinha arranjado e estudou uma posição casual para fingir que não tinha estudado aquela posição. Os passos da filha eram lentos. No corredor, o som da armação do vestido raspava pelas paredes e arrastava-se pelo chão. Foi recebida pelo sorriso da mãe e pelas palavras "feliz Natal" ditas num tom infantil. Sem sorrir, a filha mexeu os lábios, mas não se ouviu mais do que duas palavras misturadas num único murmúrio imperceptível. Com pressa, a mãe sentou-se à mesa. A filha, de olhar baixo, sentou-se também.
Desde que, no final do Verão, tinha sido obrigada a vender a casa onde vivera sempre e onde nascera que a filha não conseguia sorrir. A mãe, como uma voz da consciência, explicou-lhe que era impossível aguentar todos os gastos. A filha sabia e entendia, mas os campos que rodeavam a casa eram uma parte gigante da sua vida. Nas árvores que se estendiam pela distância estavam todas as suas idades. Era na montanha que se erguia no horizonte dessa casa onde nasceu que depositava os seus sonhos. Também por isso, nunca mais conseguiu nem sonhar, nem sorrir. Passava os dias no quarto com as cortinas corridas, com a pele cada vez mais pálida e com os braços cada vez mais fracos.
A mãe segurou a sineta entre dois dedos e, com um ligeiro movimento do pulso ecoou a sua estridência pela casa. Passou um instante e, num crescendo, ouviram-se os passos rápidos da criada anã. Era a única que tinha continuado com elas. Tinha ficado por amizade, por gratidão e porque não tinha outro sítio para onde ir. A criada anã entrou na sala de jantar com a terrina da sopa e subiu a um pequeno banquinho para encher os pratos de sopa e de vapor. Enquanto comia, a mãe levantava brevemente o olhar e tocava o rosto da filha com ternura. Entre colheradas de sopa, de cada vez que a olhava, a mãe lembrava-se da filha noutros natais: quando tinha catorze anos, recebeu o seu primeiro vestido de crescida e, na manhã do dia de Natal, quando a mãe a ajudou a vesti-lo e quando assistiu à descida solene das escadas sob palmas e timidez; ou quando era ainda pequena e já corria pelos campos a recolher musgo e ramos de pinheiro porque queria ajudar em todas as decorações da casa; ou quando nasceu, tão pequenina, e era a única atenção da casa ou quando ficaram sozinhas e, pela primeira vez, houve silêncio na noite de Natal. As lembranças misturavam-se. A criada anã entrou com uma travessa de carne. Subiu ao banquinho, serviu-as e saiu. Por detrás do rosto da mãe sucediam-se memórias e pormenores. Lembrava-se do rosto da filha quando, na hora dos presentes, lhe colocava um embrulho no colo. Lembrava-se da imagem da filha com o cabelo em canudos sobre os ombros, sentada no chão da sala a brincar com bonecas novas. Lembrava-se da filha quando era feliz. Já não tentava disfarçar a avidez com que queria olhá-la.
Assim que a filha pousou os talheres sobre o prato e passou um ângulo do guardanapo pelos lábios finos, sem esperar pelos bolos ou pelas sobremesas que sabia estarem prontas na cozinha, a mãe pousou palavras sobre a toalha de mesa. Com uma voz feita com a suavidade do mesmo linho, disse: "tenho um presente para ti". A filha olhou-a surpreendida. O tempo em que recebia presentes parecia-lhe tão distante. Mas a mãe, com a maneira que tinha de falar-lhe quando ela ainda era criança, repetiu: "tenho um presente para ti". Então, como se a filha mostrasse que esperava receber um pequeno embrulho, a mãe disse-lhe: "para veres o presente, tens de ir à janela". Com um rosto que não conseguia imaginar o que poderia ser, a filha levantou-se e caminhou na direcção da janela. A mãe continuou sentada, à espera da sua reacção. A filha afastou as cortinas. Passou um momento. E ficou suspensa. Abriu mais olhos. Passou outro momento. E não tinha palavras nem para dizer a si própria. Depois dos vidros da janela, caía chuva miudinha sobre os campos. Uma noite de estrelas iluminava a terra e toda a distância das árvores até ao horizonte, até ao corpo imenso da montanha onde depositara os seus sonhos.


(Este é o Postal de 2007 das Quintas de Leitura - Um Natal de Poesia e Sonho).


Pedro Tochas em exclusivo para as Quintas de Leitura




Pedro Tochas vai apresentar-se no ciclo Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre (TCA) pela 9ª vez. Para trás ficam espectáculos de grande sucesso como «Work in progress» (2004), «Work in progress – ensaio geral» (2004), «Maiores de 18» (2005), «Maiores de 18» (2006), «Na ponta da língua» (2006), «Versão 1.1» (2007), «O palhaço escultor» (2007) e «Já tenho idade para ter juízo» (2007), que trouxeram ao TCA e a este ciclo milhares de espectadores, em sessões sempre esgotadas.

A receita do sucesso de Pedro Tochas é simples:

O comediante, dono de um invulgar poder de improvisação e de um notável sentido de observação, serve-se da realidade quotidiana que o rodeia, apanha-a no ar, e, no momento seguinte, amplia-a, transforma-a, remistura-a, servindo-a, mais à frente, em apetecíveis doses individuais, bem ao gosto dos seus indefectíveis seguidores.

Cria-se, assim, uma empatia, um nó indestrutível, um casamento para toda a vida, entre Tochas e o seu público. Tochas surge aos olhos do público como o «chefe iluminado» que diz coisas incómodas, que ousa desafiar os poderosos, que ridiculariza o «politicamente correcto».

Tochas sabe e pode dizer NÃO ao sistema, servindo-se da sua mais eficaz arma: o humor. Tochas aparece aos olhos do espectador como um ser simples, mas implacável, uma espécie de justiceiro por conta própria – Deus perdoa, Tochas não. Cada passo em falso do espírito do espectador, encontrará o humor de Tochas pela frente.


«Este tem menos graça» - o novo desafio

Avancemos.

A equipa das Quintas de Leitura do TCA gosta de desafios. E lançou a Pedro Tochas o mais difícil de todos: pegar nas piadas e situações que foram recusadas, rejeitadas, enjeitadas e repudiadas em espectáculos anteriores – vá-se lá saber porquê - e apresentá-las num espectáculo sob o título «Este tem menos graça», um exercício original, libertador, expiatório mesmo, que nos emocione, que nos emulsione e, sobretudo, que nos faça rir perdidamente.

Será possível encher uma sala para ouvir as estórias mais banais e comezinhas de Tochas?

Conseguirá o comediante dar a volta, com graça, a toda esta desgraça?

Queremos que seja você a lançar-nos a primeira pedra.

Com um sorriso ao canto da noite, o TCA espera-vos nos dias 13, 14 e 15 de Fevereiro, às 22h00, para dizerem de vossa justiça.

Estreia absoluta no TCA de um espectáculo pensado e construído de raiz para este ciclo poético. Venha rir inteligentemente. E deixamo-vos com uma promessa solene: se não gostar, prometemos que não lhe devolveremos o dinheiro. É bem feita.

João Gesta,
Programador das Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre.
Porto, 17 de Dezembro de 2007


Também no site do Tochas aqui.
Atenção: os bilhetes serão colocados à venda no dia 1 de Fevereiro de 2008.

17/12/07

O BALANÇO EM 2007

Tempo de balanço. A linguagem fria e irrefutável dos números em 2007. A História falará assim de nós:


14 espectáculos (dos quais 11 esgotados)

21 sessões (das quais 18 esgotadas)

122 artistas convidados

2.840 espectadores

98,13 % taxa de ocupação de salas

Prometemos solenemente: para o ano há mais. Obrigado pela vossa fidelidade, pela vossa cumplicidade, pelas vossas críticas.

Quintas de Leitura: continuamos a acreditar que SONHAR É PRECISO.

12/12/07

ARQUIVO DE NUVENS



FRENTE E TRÁS

Estreia literária de uma mulher que faz quase tudo bem

«Gosto de frases curtas. Como saias.»
(Marta Bernardes)
O dia 13 de Dezembro marca a estreia literária de Marta Bernardes, artista plástica, performer, cantora e letrista de vários projectos musicais, «uma mulher que faz quase tudo bem», nas palavras do programador João Gesta.

O livro intitula-se «Arquivo de Nuvens» e é pretexto para juntar à sua volta um naipe valioso de artistas de várias áreas numa «Quinta de Leitura» diferente e surpreendente que se estenderá da magia à poesia e da performance à música.

Será a sessão de lançamento do 11º livro da colecção Cadernos do Campo Alegre, colecção que conta já com títulos assinados por, entre outros, Filipa Leal, Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Carlos Tê, Gonçalo M. Tavares e valter hugo mãe, recente vencedor do prémio literário José Saramago.

Marta Bernardes diz «ter nascido, contrariando as probabilidades de nascer outra, em 1983, no Porto. Esteve para se chamar Raquel ou Marta Isabel mas, depois de larga discussão, acabou por ficar Marta Raquel. Teve dentes de leite até tarde e, lamentavelmente, não teve irmãos. Foi atleta de alta competição e boa aluna nas sucessivas escolas por onde passou: Escola Oitenta, Pires de Lima, Soares dos Reis, Belas Artes do Porto, Belas Artes de Paris».

Presentemente estuda filosofia em Madrid. É praticamente uma estudante profissional. É amiga de gente importante, mas, sobretudo, é importante para a gente amiga que a acompanhará no dia 13:

Ana Deus (cantora convidada); Projecto musical João Peludo (Nuno Sousa, João Covita, Pedro Gonçalves, Sérgio Seara e João Carujo); Filipa Leal e Diogo Dória (leituras); Diniz Cayolla (apresentação do livro); Jomaguy (mágico); e Dinis Santos, Daniel da Costa e Pedro Paradela (autores do vídeo – filme «Claro»).

Uma grande trupe que lhe proporcionará uma noite de grandes sobressaltos. E, porque uma boa notícia nunca vem só, comunicamos solenemente que, desta feita, não precisa pagar. E ainda terá direito a uma generosa oferta de Natal.
(foto: PAT)

Puro Êxtase



Nos seus habituais passeios a pé pela Invicta, o programador João Gesta e a (agora) escritora Marta Bernardes descobriram, nas traseiras do Palácio dos Correios, um majestoso tubo eléctrico, ao que tudo indica, projectado por Álvaro Siza Vieira. Brotando da calçada, indiferente à intempérie, o tubo.
Esta inesperada descoberta deixou os referidos munícipes em estado de êxtase absoluto.
(fotos: PAT)

07/12/07

«Arquivo de Nuvens» chega na Quinta

(Auto-retrato de Marta Bernardes)

(Nuvens - foto de Telmo Sá - peça Arremesso de Marta Bernardes)

Aqui fica um cheirinho das coisas bonitas que rodeiam Marta Bernardes, autora - mulher de mil feitos - que o ciclo Quintas de Leitura dá a conhecer ao mundo na sua próxima sessão. Pormenores sobre o 11º livro da colecção Cadernos do Campo Alegre - «Arquivo de Nuvens» em breve.


21/11/07

A Europa começa aqui. A toda a velocidade

(para ler clicar sobre a imagem)

As Quintas de Leitura abrem-se à Europa. A 21 de Fevereiro de 2008, numa co-produção com o Festival Corps de Textes, iniciativa promovida pela Théâtre des Deux Rives de Ruão (França), vamos receber a escritora e encenadora francesa Patricia Allio que apresentará o seu texto «Habiter». Um texto filosófico, de veia dadaísta, quase guerrilheiro.

Após as leituras, entre outras subtilezas, ficaremos a saber se a pila faz ou não faz o monge.
Participam os actores Sandra Salomé e Pierre Maillet, para além da performer Sónia Baptista. A autora, que estará presente, será apresentada por Mariana Rocha.
A noite fechará em apoteose com um concerto por Carlos Bica (contrabaixo) e João Paulo Esteves da Silva (piano). A Europa começa aqui. A toda a velocidade.


É já amanhã o «O enigma de Salomé»


Estreia de «Coincidências» e Amanalupa a propósito do
novo romance do poeta Nuno Júdice


Um ano depois, o poeta Nuno Júdice regressa às Quintas de Leitura do TCA, desta feita para apresentar o seu novo romance «O enigma de Salomé», recentemente editado pela Editorial Teorema.

A sessão realiza-se amanhã, dia 22 de Novembro, às 22h00, no Café-Teatro e conta com a participação de actores, músicos, performers e da pintora Isabel Lhano, responsável pela imagem do espectáculo, numa noite que se quer poética e festiva.

Nuno Júdice escolheu alguns excertos do seu romance, que serão lidos pelo próprio poeta, pelos actores Pedro Lamares e Natália Luíza (que recentemente participaram na novela luso-brasileira «Paixões Proibidas») e ainda por Susana Menezes e Filipa Leal.

Desta vez, no habitual momento dedicado à performance há «Coincidências» - concerto de Mónica Coteriano (voz), com os músicos do projecto Dead Combo Tó Trips (guitarra) e Pedro Gonçalves (contrabaixo, guitarra, lap steel e baixo eléctrico).

Mas a música não se fica por aqui, ou não fosse amanhã dia de Santa Cecília, a padroeira dos músicos. Na segunda parte da sessão, tempo para conhecer, em estreia absoluta no Porto, o projecto Amanalupa, constituído por Rui Costa (composição e guitarra acústica), músico da Filarmónica Gil; Sofia Gaspar (voz), vencedora de diversos concursos televisivos, como o Chuva de Estrelas e o Cantigas da Rua; e Pedro Santos (euphonium). Uma fusão mágica e explosiva para dar corpo e música ao universo poético de Nuno Júdice, no qual a banda se inspirou.

Não perca esta noite única e irrepetível, partilhando connosco esta verdade irrefutável:
- «quanto mais poético mais verdadeiro».

13/11/07

O público do espectáculo de Pedro Tochas


560 espectadores esgotaram 4 sessões das «Quintas» com o comediante Pedro Tocha, na «antestreia» de «Já tenho idade para ter juízo». Quem cá esteve poderá descobrir-se aqui. (acima imagem captada na noite de 9 de Novembro).
Em Fevereiro há mais, com um espectáculo feito exclusivamente para este ciclo e que se chamará "Este tem menos graça". A não perder.

30/10/07

Na noite dos lugares e das passagens



Apenas três apontamentos sobre o espectáculo que inundou de palavras o palco do Café-Teatro na sessão «Lugares e Passagens» dedicada à poeta Maria Andresen. (Imagens captadas por Diogo Barbedo na seguinte sequência: Pedro Lamares, a ler, e Eldbjørg Raknes, a cantar).

26/10/07

PARABÉNS VALTER


O poeta valter hugo mãe venceu hoje a edição de 2007 do prémio literário José Saramago com o romance "O Remorso de Baltazar Serapião".

Em nome de toda a equipa das "Quintas", envio-te um forte abraço de felicitações.

Lembremos que o valter abrirá a temporada das "Quintas" em 2008, com uma super-sessão intitulada "FACÍNORAS".

Participam nesta provocação poética os seguintes figurões:

Mademoiselle Chat (cantora parisiense)
Adolfo Luxúria Canibal
Isaque Ferreira
Pedro Lamares
António Rafael (Mão Morta)
Miguel Pedro (Mão Morta)
e, obviamente, o nosso convidado de honra valter hugo mãe, que produzirá textos de raiz para esta sessão.

NÃO COMPRE JÁ O SEU BILHETE.

(fotografia de Pedro Guimarães)

25/10/07

A imprensa de hoje a propósito da estreia de Maria Andresen


Na edição de hoje da revista Visão





Na edição de hoje do jornal O Primeiro de Janeiro:








Na edição de hoje do jornal Público:


(nota: para ler clicar sobre as imagens)

23/10/07

“O POETA NU” À SOLTA NO “PIOLHO”

Jorge Sousa Braga, aqui na companhia de João Gesta, regressará às Quintas de Leitura em 2008.

Sobre o seu último livro, O Poeta Nu, apresentado em 12 de Outubro, no Café "Piolho", João Gesta, o programador do ciclo, leu em voz alta o seguinte texto:


Não há lugar mais oportuno para fazer o lançamento de um livro do Jorge Sousa Braga do que o “Piolho”.
“O Piolho” é, e foi nos tempos do fascismo, um espaço de liberdade, um espaço de liberdade livre, como diria Rimbaud, de liberdade cor de Homem.
“O Piolho” foi, nos anos 70, o meu primeiro lar. Cresci nestas mesas ao som vaporoso e pavoroso da máquina dos cimbalinos e do abrir e fechar irritante da velha máquina registadora, agora embalsamada.
Foi aqui que o coração me pregou as primeiras partidas – apaixonei-me gravemente várias vezes, casei mesmo com uma bela comunista que conheci três mesas depois da minha. Aqui aprendi a sonhar e a conspirar em surdina. Fumei, às escondidas e nem por isso, os meus primeiros charros, defendi-me como pude, sem heroísmos, anonimamente, da polícia fascista, convivi com pessoas que, trinta anos depois, ainda admiro: o Manuel António Pina, o Manuel Resende, o Jorge Fiel, o Carlos Leite, o “Arturinho” la gauche – um bandido de quem continuo a gostar -, o Costa Macedo, o meu dealer espiritual Alfredo, o Militão, o João Botelho, o Mário Vaz e o Rui Reininho que, generoso e solidário, me ensinou que os homens não se querem bonitos.
Às mesas deste café li os primeiros livros de Lenine, Engels e Marx. Aqui aprendi que o Mao-Tsé-Tung não era flor que se cheirasse, que a Rosa Luxemburgo era uma gaja porreira, que o Trotsky era um teórico impoluto, antes de levar irremediavelmente com um sacho na cabeça, medida profilática patrocinada por Staline, esse sim, um refinado estupor.
Aqui li os meus primeiros livros de Herberto Helder, “A crítica doméstica dos paralelepípedos” de Nuno Júdice, livro artisticamente roubado na Unicepe e que transportei até ao “Piolho” debaixo de uma t´shirt que proclamava em letras garrafais: « Nem Deus, Nem Chefes».
Foi no “Piolho” que ouvi pela primeira vez falar de Revolução:
“Serão talvez precisas várias revoluções para que um dia deixe de haver pessoas razoáveis” – sábias palavras de Roger Gentis.
Aqui tomei contacto com as teorias situacionistas:
“A Revolução deixa de existir no instante em que é necessário sacrificarmo-nos por ela”.
Hoje, homem maduro, sou forçado a concordar com o Adolfo Luxúria Canibal: “a revolução é o remédio para os que sofrem de tédio”.
Foi, por fim, no w.c. do “Piolho”, pichado numa parede, que registei um dos maiores ensinamentos da minha vida, que ainda hoje me serve:
“Amar sem ser amado é como limpar o cu sem ter cagado”.

Bom… (momento de molhar o bico)

Foi também numa mesa do “Piolho” que, em 1982, descobri o Jorge Sousa Braga. Descobri-o através de uma bela edição da Fenda – “Plano para salvar Veneza” -, um livro comprado (100$00) pela Cristiana, a tal bela comunista, na livraria “Leitura”e veementemente recomendado pelo senhor Fernando Fernandes. No final da leitura fiquei com vontade de “beijar o Jorge apaixonadamente na boca”.

A jornalista Filipa Leal, numa notável entrevista no “das Artes das Letras”, perguntou ao poeta qual seria o plano para salvar este novo século. O poeta respondeu, sem hesitações:
“O plano para salvar o novo século acaba por ser a mesma coisa que eu dizia no «Plano para salvar Veneza», e tem uma só palavra: TERNURA. Ternura por aqueles que nos rodeiam, pelos animais, pelas árvores e pelas pedras.”
Jorge Sousa Braga é, antes de tudo, um poeta da natureza.
Prossegue ele na referida entrevista:
“Comecei a ler muito antes de ter aprendido as primeiras letras. Eu explico. Nasci numa pequena aldeia e quando era criança perdia-me nos campos e nos montes. Aprendi a ler os movimentos das folhas das árvores, o voo dos pássaros, a passagem das nuvens…”.
Jorge Sousa Braga é um poeta implicado. Implicado, sobretudo, com uma visão global do mundo: “Não me imagino só com pessoas à volta. Acho que também são precisos os outros animais, as pedras, as árvores”.
À boleia de António Ferro, digo-vos que o Jorge Sousa Braga é um “bêbado dos sentidos”, um poeta “enfarinhado de luar”. Jorge Sousa Braga cheira bem. Cheira a sol, a sul, a manjerona, malagueta, sândalo, cominhos, basílico, zimbro, oregãos, açafrão, caril, louro, estragão.
O Jorge Sousa Braga cheira a Whitman e a Cesariny. É um poeta intensamente livre. “Ser-se livre é possuir-se a capacidade de lutar contra o que nos oprime. Quanto mais perseguido, mais perigoso. Quanto mais livre, mais capaz. Do cadáver de um homem que nasce livre pode sair acentuado mau cheiro – nunca sairá um escravo”. Aprendi isto com Cesariny e, também, com a poesia e com a convivência com o Jorge. O Jorge não troca a “liberdade” em “liberdades”. O Jorge escreve para a eternidade. O Jorge é um poeta subversivo.
(Houve alguém, aqui no “Piolho”, que me ensinou isto: revolução é voltar a ampulheta. Subversão é realmente outra coisa: é esmagá-la, eliminá-la.)
Repito:
O Jorge é um poeta subversivo e está sempre a surpreender-nos com as palavras que diz. Está sempre a esmagar a ampulheta:
“Toda a gente se revolta. Uma capacidade intrínseca da alma humana é a capacidade de nos revoltarmos. É fácil uma pessoa revoltar-se contra as barbaridades que nos são distantes, como as que acontecem presentemente no Iraque. Mas é mais difícil revoltarmo-nos contra as pequenas barbaridades do quotidiano. Acho que a DOÇURA pode ser uma forma de revolta, e às vezes mais eficaz do que algumas toneladas de bombas”.
Hoje, Jorge Sousa Braga voltou à carga, numa importante entrevista ao “JN”: “Lamento que a mediocridade tenha invadido os partidos instituídos e inundado as repartições e muitos centros de decisão. Mas não lamento o verde do Minho, o amarelo do Alentejo, o azul dos rios e do mar”.
Para terminar:
“O Poeta Nu” é um intenso e requintado fragmento de liberdade. É um livro absolutamente febril, que me levou ao sorriso, ao riso e às lágrimas.
“O Poeta Nu” é uma delirante viagem. “Desvenda-nos uma visão do mundo que poetiza todas as coisas”, como sabiamente escreveu Pedro Mexia.
Refiro os primeiros livros de Jorge Sousa Braga com um registo maldito, quase “underground”; “Os Pés Luminosos” onde são notórias as influências da poesia chinesa, japonesa e a estética do haiku; “A Ferida Aberta” onde o poeta deixa perpassar a sua experiência clínica; por fim, o volume novo, com o fascinante título “O lírio que há no delírio”, onde o autor dialoga com grandes mestres da pintura – Monet, Magritte, Frida Kahlo, Van Gogh, etc.
Todos estes livros agora reunidos, fizeram, vão continuar a fazer o seu caminho. E, como faz questão de realçar Jorge Sousa Braga, o caminho da poesia é sempre o coração do leitor.
“O Poeta Nu” é, em suma, um objecto belo, é um livro cheio de verdade, de subtil ironia, pleno de sentido de humor. E o Jorge sabe, como eu, que o humor é a mais eficaz maneira de dizer NÃO ao poder. Jorge, se dizes NÃO, é porque tens razão. (Que São Tzara esteja no meio de nós!).
O Jorge tem o vício da Poesia. Lê, escreve e traduz como respira. E arrasta-nos no seu vício – só somos capazes de parar quando snifamos a última linha dos seus poemas.
Termino agora e confesso-vos:
“Estou mesmo a precisar de uma injecção de essência de rosas”.

22/10/07

Poesia no Campo Alegre diz a Notícias Magazine

(na revista Notícias Magazine - JN e DN - de Domingo, 21 de Outubro de 2007. Para ver em tamanho maior, clicar sobre a imagem).

19/10/07

Nas nossas salas



( Dióspiro com Daniel Maia-Pinto Rodrigues)

(Morada com Vasco Gato)


Susana Camelo - Decoração é uma das lojas que, em colaboração com as Quintas de Leitura, enche os palcos das nossas sessões e recebe os poetas e os seus convidados como se estivessem em casa, na sua própria sala.

18/10/07

OS RECITADORES DAS "QUINTAS"








Sem eles, as "Quintas de Leitura" não teriam sentido. São os "nossos" recitadores. Ao longo de 70 espectáculos já nos leram centenas de poemas, marcos indeléveis da moderna poesia portuguesa. Aqui ficam os seus nomes, por ordem de entrada no paraíso:

Ana Deus
Susana Menezes (Naná)
Nuno Melo
Miuxa Carvalhal
Rui Reininho
Paulo Condessa
Nuno Moura
Daniel Maia-Pinto Rodrigues
António Fonseca
António Durães
Ana Gabriela Macedo
Fernando Coelho
Eduardo Jorge Madureira
Marta Catarino
Sofia Saldanha
Manuela Martinez
Paulo Campos dos Reis
João Miguel Rodrigues
Madalena Alfaia
João Paulo Costa
José Wallenstein
Daniel Jonas
Filipa Leal
Isaque Ferreira
Pedro Lamares
Maria Elsa
Inês Menezes
Ana Luísa Amaral
Maria do Rosário Pedreira
Claudia Silva
Julieta Santos
Ada Pereira da Silva
Marta Bernardes
Alberto Serra
José Carlos Tinoco
Miguel Arcanjo
Vânia Ribeiro
Adolfo Luxúria Canibal
Jorge Mota
Clara Marchana
Inês Lua
Gonçalo M. Tavares
José Luís Peixoto
Ana Luísa Amaral
António Mega Ferreira
valter hugo mãe
Adriana Faria
Rute Pimenta
Estrela Novais
Inês Veiga de Macedo
Mirró Pereira
Anabela Rodrigues
Daniela Carvalho
Nuno Júdice
João Tiago
Fernando Pinto do Amaral
Isabel Guimarães
Vasco Gato
Romi Soares
Yolanda Castaño

11/10/07

(fotografia de Raquel Viegas)


O comediante Pedro Tochas regressa às Quintas de Leitura para apresentar, em «antestreia», o seu novo espectáculo intitulado «Pedro Tochas - Já tenho idade para ter juízo».

As sessões deste novo espectáculo, destinado a maiores de 16 anos, decorrerão no Café-Teatro do TCA, nos dias 8, 9 e 10 de Novembro, às 22h00, e no dia 11, Domingo, às 17h00.

Sobre este novíssimo desafio, Pedro Tochas levanta o véu:

Qual é a idade para ter juízo?
O que é ter juízo?
Será bom ter juízo?

Estas questões são alguns dos pontos de partida para esta mistura de contador de histórias e stand-up comedy.

Pequenas histórias, divagações, alucinações, improvisações e interacções com o público, fazem parte deste espectáculo que mais parece uma conversa entre amigos.

A não perder para quem gosta de rir com as pequenas coisas da vida.

No que se refere especificamente a estas sessões de «antestreia», Tochas explica:
Antes da estreia mundial deste espectáculo em 2008, vou fazer duas temporadas de ante-estreias em salas pequenas.
Em Lisboa vou estar no Teatro bar do Teatro da Trindade (60 lugares) e no Porto vou estar no Café-Teatro do Teatro do Campo Alegre (120 lugares).
O objectivo é fazer apresentações num ambiente íntimo, onde o espectáculo possa amadurecer e sofrer constantes mutações; vai ser uma boa oportunidade para ver o processo criativo em acção.

Junte-se a nós: o indelével humor de Pedro Tochas, numa "Quinta" diferente das outras.

08/10/07

O Poeta Nuno Júdice nas Quintas de Leitura

O grupo Amanalupa participará, no dia 22 de Novembro, na sessão intitulada «O enigma de Salomé», dedicada à poesia de Nuno Júdice.

O grupo é formado pelos seguintes elementos: Rui Costa (guitarra acústica), Sofia Gaspar (voz), e Pedro Santos (euphónium). Interpretarão temas inspirados na poesia de Júdice.

Uma sessão a não perder que contará ainda com as seguintes presenças: Pedro Lamares, Susana Menezes, Filipa Leal, Natália Luíza e Nuno Júdice (leituras); Isabel Lhano (imagem); Mônica Coteriano, Tó Trips e Pedro Gonçalves (performance/concerto).