26/12/07

GLÓBULOS AO VENTO

Vale o que vale. É apenas a opinião do programador João Gesta, depois de ouvir atentamente os comentários da sua equipa e de alguns fiéis seguidores do ciclo. Tudo no âmbito das Quintas de Leitura, está bom de ver:

MELHOR SESSÃO DO ANO - «Amantes e outros nomes de família» - sessão dedicada à Poesia de Maria do Rosário Pedreira com Fado de Aldina Duarte. AQUI.

MELHORES MOMENTOS MUSICAIS - Aldina Duarte e Dead Combo. AQUI.

MELHOR FLYER DO ANO - «Arquivo de Nuvens» da autoria de Marta Bernardes e Telmo Sá. AQUI.

REVELAÇÕES DO ANO - Marta Bernardes (na escrita); Mônica Coteriano (na performance); Inês Veiga de Macedo (na leitura).

A todos os que participaram e nos ajudaram a crescer, o nosso eterno agradecimento e a nossa profunda admiração.

21/12/07

Um Natal de Poesia e Sonho


A casa onde nasceu
de
José Luís Peixoto


Rita Burmester (fotografia)



A mesa estava posta, mas a sala de jantar ainda estava deserta. Na lareira, dois pequenos troncos adormeciam numa cama de chamas brandas. As paredes altas da sala de jantar seguravam o peso de quadros com rostos sisudos de avós de avós que já ninguém conhecia. Pelas janelas entravam os sons da cidade. Por ser noite de Natal, havia menos carros nas ruas e, por isso, distinguia-se melhor as vezes em que o rugido de um motor se aproximava e afastava do silêncio da sala de jantar ainda deserta. Invisíveis, os passos da mãe foram firmes no tapete do corredor. Distinguia-se o som do vestido a tocar nas paredes e no chão. Entrou e contornou a mesa sem olhá-la porque olhava e sorria apenas para dentro de si. Aproximou-se da lareira e, com a ponta da tenaz, explodiu fagulhas nos troncos. As chamas animaram-se de uma nova força e ergueram-se quase até ao início da chaminé. Assim ardia também o entusiasmo que a mãe tentava esconder, mas que mostrava em gestos súbitos e num sorriso permanente.
Ao longe, a porta do quarto da filha abriu-se. De repente, a mãe passou as mãos pelo vestido, tentando arranjá-lo para fingir que não o tinha arranjado e estudou uma posição casual para fingir que não tinha estudado aquela posição. Os passos da filha eram lentos. No corredor, o som da armação do vestido raspava pelas paredes e arrastava-se pelo chão. Foi recebida pelo sorriso da mãe e pelas palavras "feliz Natal" ditas num tom infantil. Sem sorrir, a filha mexeu os lábios, mas não se ouviu mais do que duas palavras misturadas num único murmúrio imperceptível. Com pressa, a mãe sentou-se à mesa. A filha, de olhar baixo, sentou-se também.
Desde que, no final do Verão, tinha sido obrigada a vender a casa onde vivera sempre e onde nascera que a filha não conseguia sorrir. A mãe, como uma voz da consciência, explicou-lhe que era impossível aguentar todos os gastos. A filha sabia e entendia, mas os campos que rodeavam a casa eram uma parte gigante da sua vida. Nas árvores que se estendiam pela distância estavam todas as suas idades. Era na montanha que se erguia no horizonte dessa casa onde nasceu que depositava os seus sonhos. Também por isso, nunca mais conseguiu nem sonhar, nem sorrir. Passava os dias no quarto com as cortinas corridas, com a pele cada vez mais pálida e com os braços cada vez mais fracos.
A mãe segurou a sineta entre dois dedos e, com um ligeiro movimento do pulso ecoou a sua estridência pela casa. Passou um instante e, num crescendo, ouviram-se os passos rápidos da criada anã. Era a única que tinha continuado com elas. Tinha ficado por amizade, por gratidão e porque não tinha outro sítio para onde ir. A criada anã entrou na sala de jantar com a terrina da sopa e subiu a um pequeno banquinho para encher os pratos de sopa e de vapor. Enquanto comia, a mãe levantava brevemente o olhar e tocava o rosto da filha com ternura. Entre colheradas de sopa, de cada vez que a olhava, a mãe lembrava-se da filha noutros natais: quando tinha catorze anos, recebeu o seu primeiro vestido de crescida e, na manhã do dia de Natal, quando a mãe a ajudou a vesti-lo e quando assistiu à descida solene das escadas sob palmas e timidez; ou quando era ainda pequena e já corria pelos campos a recolher musgo e ramos de pinheiro porque queria ajudar em todas as decorações da casa; ou quando nasceu, tão pequenina, e era a única atenção da casa ou quando ficaram sozinhas e, pela primeira vez, houve silêncio na noite de Natal. As lembranças misturavam-se. A criada anã entrou com uma travessa de carne. Subiu ao banquinho, serviu-as e saiu. Por detrás do rosto da mãe sucediam-se memórias e pormenores. Lembrava-se do rosto da filha quando, na hora dos presentes, lhe colocava um embrulho no colo. Lembrava-se da imagem da filha com o cabelo em canudos sobre os ombros, sentada no chão da sala a brincar com bonecas novas. Lembrava-se da filha quando era feliz. Já não tentava disfarçar a avidez com que queria olhá-la.
Assim que a filha pousou os talheres sobre o prato e passou um ângulo do guardanapo pelos lábios finos, sem esperar pelos bolos ou pelas sobremesas que sabia estarem prontas na cozinha, a mãe pousou palavras sobre a toalha de mesa. Com uma voz feita com a suavidade do mesmo linho, disse: "tenho um presente para ti". A filha olhou-a surpreendida. O tempo em que recebia presentes parecia-lhe tão distante. Mas a mãe, com a maneira que tinha de falar-lhe quando ela ainda era criança, repetiu: "tenho um presente para ti". Então, como se a filha mostrasse que esperava receber um pequeno embrulho, a mãe disse-lhe: "para veres o presente, tens de ir à janela". Com um rosto que não conseguia imaginar o que poderia ser, a filha levantou-se e caminhou na direcção da janela. A mãe continuou sentada, à espera da sua reacção. A filha afastou as cortinas. Passou um momento. E ficou suspensa. Abriu mais olhos. Passou outro momento. E não tinha palavras nem para dizer a si própria. Depois dos vidros da janela, caía chuva miudinha sobre os campos. Uma noite de estrelas iluminava a terra e toda a distância das árvores até ao horizonte, até ao corpo imenso da montanha onde depositara os seus sonhos.


(Este é o Postal de 2007 das Quintas de Leitura - Um Natal de Poesia e Sonho).


Pedro Tochas em exclusivo para as Quintas de Leitura




Pedro Tochas vai apresentar-se no ciclo Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre (TCA) pela 9ª vez. Para trás ficam espectáculos de grande sucesso como «Work in progress» (2004), «Work in progress – ensaio geral» (2004), «Maiores de 18» (2005), «Maiores de 18» (2006), «Na ponta da língua» (2006), «Versão 1.1» (2007), «O palhaço escultor» (2007) e «Já tenho idade para ter juízo» (2007), que trouxeram ao TCA e a este ciclo milhares de espectadores, em sessões sempre esgotadas.

A receita do sucesso de Pedro Tochas é simples:

O comediante, dono de um invulgar poder de improvisação e de um notável sentido de observação, serve-se da realidade quotidiana que o rodeia, apanha-a no ar, e, no momento seguinte, amplia-a, transforma-a, remistura-a, servindo-a, mais à frente, em apetecíveis doses individuais, bem ao gosto dos seus indefectíveis seguidores.

Cria-se, assim, uma empatia, um nó indestrutível, um casamento para toda a vida, entre Tochas e o seu público. Tochas surge aos olhos do público como o «chefe iluminado» que diz coisas incómodas, que ousa desafiar os poderosos, que ridiculariza o «politicamente correcto».

Tochas sabe e pode dizer NÃO ao sistema, servindo-se da sua mais eficaz arma: o humor. Tochas aparece aos olhos do espectador como um ser simples, mas implacável, uma espécie de justiceiro por conta própria – Deus perdoa, Tochas não. Cada passo em falso do espírito do espectador, encontrará o humor de Tochas pela frente.


«Este tem menos graça» - o novo desafio

Avancemos.

A equipa das Quintas de Leitura do TCA gosta de desafios. E lançou a Pedro Tochas o mais difícil de todos: pegar nas piadas e situações que foram recusadas, rejeitadas, enjeitadas e repudiadas em espectáculos anteriores – vá-se lá saber porquê - e apresentá-las num espectáculo sob o título «Este tem menos graça», um exercício original, libertador, expiatório mesmo, que nos emocione, que nos emulsione e, sobretudo, que nos faça rir perdidamente.

Será possível encher uma sala para ouvir as estórias mais banais e comezinhas de Tochas?

Conseguirá o comediante dar a volta, com graça, a toda esta desgraça?

Queremos que seja você a lançar-nos a primeira pedra.

Com um sorriso ao canto da noite, o TCA espera-vos nos dias 13, 14 e 15 de Fevereiro, às 22h00, para dizerem de vossa justiça.

Estreia absoluta no TCA de um espectáculo pensado e construído de raiz para este ciclo poético. Venha rir inteligentemente. E deixamo-vos com uma promessa solene: se não gostar, prometemos que não lhe devolveremos o dinheiro. É bem feita.

João Gesta,
Programador das Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre.
Porto, 17 de Dezembro de 2007


Também no site do Tochas aqui.
Atenção: os bilhetes serão colocados à venda no dia 1 de Fevereiro de 2008.

17/12/07

O BALANÇO EM 2007

Tempo de balanço. A linguagem fria e irrefutável dos números em 2007. A História falará assim de nós:


14 espectáculos (dos quais 11 esgotados)

21 sessões (das quais 18 esgotadas)

122 artistas convidados

2.840 espectadores

98,13 % taxa de ocupação de salas

Prometemos solenemente: para o ano há mais. Obrigado pela vossa fidelidade, pela vossa cumplicidade, pelas vossas críticas.

Quintas de Leitura: continuamos a acreditar que SONHAR É PRECISO.

12/12/07

ARQUIVO DE NUVENS



FRENTE E TRÁS

Estreia literária de uma mulher que faz quase tudo bem

«Gosto de frases curtas. Como saias.»
(Marta Bernardes)
O dia 13 de Dezembro marca a estreia literária de Marta Bernardes, artista plástica, performer, cantora e letrista de vários projectos musicais, «uma mulher que faz quase tudo bem», nas palavras do programador João Gesta.

O livro intitula-se «Arquivo de Nuvens» e é pretexto para juntar à sua volta um naipe valioso de artistas de várias áreas numa «Quinta de Leitura» diferente e surpreendente que se estenderá da magia à poesia e da performance à música.

Será a sessão de lançamento do 11º livro da colecção Cadernos do Campo Alegre, colecção que conta já com títulos assinados por, entre outros, Filipa Leal, Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Carlos Tê, Gonçalo M. Tavares e valter hugo mãe, recente vencedor do prémio literário José Saramago.

Marta Bernardes diz «ter nascido, contrariando as probabilidades de nascer outra, em 1983, no Porto. Esteve para se chamar Raquel ou Marta Isabel mas, depois de larga discussão, acabou por ficar Marta Raquel. Teve dentes de leite até tarde e, lamentavelmente, não teve irmãos. Foi atleta de alta competição e boa aluna nas sucessivas escolas por onde passou: Escola Oitenta, Pires de Lima, Soares dos Reis, Belas Artes do Porto, Belas Artes de Paris».

Presentemente estuda filosofia em Madrid. É praticamente uma estudante profissional. É amiga de gente importante, mas, sobretudo, é importante para a gente amiga que a acompanhará no dia 13:

Ana Deus (cantora convidada); Projecto musical João Peludo (Nuno Sousa, João Covita, Pedro Gonçalves, Sérgio Seara e João Carujo); Filipa Leal e Diogo Dória (leituras); Diniz Cayolla (apresentação do livro); Jomaguy (mágico); e Dinis Santos, Daniel da Costa e Pedro Paradela (autores do vídeo – filme «Claro»).

Uma grande trupe que lhe proporcionará uma noite de grandes sobressaltos. E, porque uma boa notícia nunca vem só, comunicamos solenemente que, desta feita, não precisa pagar. E ainda terá direito a uma generosa oferta de Natal.
(foto: PAT)

Puro Êxtase



Nos seus habituais passeios a pé pela Invicta, o programador João Gesta e a (agora) escritora Marta Bernardes descobriram, nas traseiras do Palácio dos Correios, um majestoso tubo eléctrico, ao que tudo indica, projectado por Álvaro Siza Vieira. Brotando da calçada, indiferente à intempérie, o tubo.
Esta inesperada descoberta deixou os referidos munícipes em estado de êxtase absoluto.
(fotos: PAT)

07/12/07

«Arquivo de Nuvens» chega na Quinta

(Auto-retrato de Marta Bernardes)

(Nuvens - foto de Telmo Sá - peça Arremesso de Marta Bernardes)

Aqui fica um cheirinho das coisas bonitas que rodeiam Marta Bernardes, autora - mulher de mil feitos - que o ciclo Quintas de Leitura dá a conhecer ao mundo na sua próxima sessão. Pormenores sobre o 11º livro da colecção Cadernos do Campo Alegre - «Arquivo de Nuvens» em breve.