15/01/09

a poesia de valter hugo mãe

coisas por acontecer, dois

vou morrer no dia dezoito de março de
mil novecentos e noventa e seis com
apenas vinte e quatro anos. pouco me
importa chegar a velho ou cumprir os
sonhos, porque já não saberei sonhar e
estarei morto a partir desse dia

tombarei o corpo para um largo
túmulo, onde poderá afeiçoar-se à morte
lentamente, concebendo algum
movimento, mas onde encontrará um
silêncio agreste ante todas as
tentativas de expressão,
e onde quem se abeire
o faça com a ilusão mesma dos
contactos entre dimensões, fugazes,
assustadores, mórbidos

no dia dezoito de março de mil novecentos e
noventa e seis as coisas mais pequenas
da terra serão já maiores do que
eu, na importância, no tempo, e estarão
ao nível dos meus olhos e nada mais
deverá ser o meu objectivo senão
partir definitivamente

hoje, sete de junho de dois mil e sete,
tenho trinta e cinco anos e sei
exactamente quando morri. o que aqui
têm é luz refractada e a
resistência ultrajante da palavra

(valter hugo mãe, "folclore íntimo" / Cosmorama Edições)

1 comentário:

João Luís Neca disse...

Tantos defuntos e dias de finados cheios de partos intermináveis...

João Neca

www.paviagens.blogspot.com

(não conhecia...excelente)