21/01/09

o poema que abre a sessão

gordo e careca

onde vais, valter hugo mãe, tão sem ter
com quem, tão precipitado no vazio do
caminho à procura de quê

porque não ficas em casa, resignadamente só, a
ver como a vida se gasta sem culpa nem glória

és um rapaz estranho, valter hugo mãe, aí metido
num amor nenhum que te magoa e esperas ter
lugar no mundo, com tanto que o mundo tem de distraído

devias morrer no dia dezoito de março de
mil novecentos e noventa e seis, como dizes que
vai acontecer, para que se acabe essa
imprecisa sentença que é a vida

volta a fechar a porta, não há nada para ti lá fora
e está frio, tens reumatismo, dói-te a cabeça, estás
gordo e careca, não faz sentido sequer que
tentes chegar às luzes esbatidas da marginal, ainda
que seja só ao lado menos percorrido pelos banhistas

volta a fechar a porta e talvez durmas, está um
agradável silêncio no prédio, tenho a certeza de que
reparaste nisso

(valter hugo mãe, "folclore íntimo"/ Cosmorama Edições)

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