12/09/08

O ACIDENTE

A pedra cai sobre a cabeça
como cai sobre todas as coisas,
caindo com o peso inteiro e agressivo
concentrado numa intenção malvada,
recuperando no acto da queda a parte animal
(inimiga do homem)
que um dia lhe terá sido roubada pelos Deuses
quando separaram funções e coisas do Mundo
e à pedra disseram: não mais te mexas sem ordem dos outros.
A pedra cai, então, sobre a cabeça do ingénuo funcionário
dos correios, reformulando, por instantes,
o desequilíbrio do mundo.
Eis que sou um animal e odeio, diz a pedra
com a sua matéria
sobre a ingénua cabeça calva
de um funcionário dos correios,
amigo dócil dos seus patrões,
ingénuo como a pedra calma e imóvel em cima da erva
num domingo de sol claro.

(Gonçalo M. Tavares in "1"/ Relógio D'Água Editores)

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