LITANIA
Estava sentado numa sala anexa ao bloco operatório
e uma enfermeira passou com o teu útero num saco de plástico transparente
Com o teu útero com a minha primeira casa e a de meus irmãos
ainda escorrendo sangue
Uma pequena construção toda em pedra
com divisões de tijolo e cal hidráulica
e janelas abrindo para o vale
Com o teu útero
Com a memória do pão depois de levedado e da tua saia comprida cheia de farinha
Com a memória de uma gema de ovo
Com o teu útero
Com a memória de uns sapatos demasiado apertados
Com a memória do giz e do ferro a carvão e dos alinhavos
Na minha alma antes de ser posta à prova
Com o teu útero
Com a memória de uma véspera de Natal das rabanadas e da aletria
E das águas que de súbito inundaram o soalho da cozinha
Com a memória agitada dessas águas
Com o teu útero
Com a memória de uma explosão de mimosas
Com a memória do cheiro a flor de laranjeira e a neroli
Com o teu útero
Que o anatomo-patologista dentro em pouco se encarregaria de retalhar
Com a lâmina do bisturi
Jorge Sousa Braga
(Poema para Dia da Mãe - parceria Antena 1/Quintas de Leitura)
3 comentários:
Hoje sentio-o na pele.
"...uma enfermeira passou com o teu útero num saco de plástico transparente..." a minha primeira casa e a memória do cheiro a violetas e roupa lavada. Com a memória de histórias contadas para adormecer. Com o teu útero e a sensação de que com ele se vai um pouco de mim retalhado.
(inspirado no poema de Jorge Sousa Braga- LITANIA-).
05.07.12
Ana Cristina Ladeiras
Correcção:
Hoje sinto-o na pele.
Hoje sinto-o na pele.
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