OS ORGÃOS VITAIS
Eu tenho que contar com tudo o que há de dentro -
pulmões e suspiros e cérebro e desilusões
intestinos funcionais no sentido lato do termo
rins e fígado à espera do amor breve
bebida a mais muito depressa
consumo mínimo para então conforto máximo.
E todos eles velados pelo irascível
(mas paciente) coração
rei do sopro da vida
e da ventania dos amores
o que julgando que em todos manda
de todos sofre o resultado -
seja aos amores baqueando
seja importando problemas
das outras resoluções do corpo.
Até que uma tarde, manhã, noite
por impulso e por vingança
(aquela que se serve fria)
arrefece e deixa de bater
sem dar tempo aos outros de o chorarem:
eles que em breve estarão
a chorar por conta própria
cada qual para seu lado
renegados e pouco a pouco
sem pavor desaparecidos.
O que foi tido por inesperado e imprevisível
talvez seja apenas a maneira de um todo
se descentrar
fugir à tarefa insanamente por nós mesmos exigida
à nossa pequena parte, já manchada de sangue, sangue
por rectas e curvas da coerência.
O sangue por um fio.
(poema de Sérgio Godinho, in "O sangue por um fio"/ Assírio & Alvim)
Sem comentários:
Enviar um comentário