26/10/10

MAIS UM POEMA DE SÉRGIO GODINHO

Este poema, lido por Isabel Fernandes Pinto, abre a sessão da próxima quinta-feira:

A VERDADE É SER VEROSÍMIL

Não sabemos quando somos
verosímeis.
Pequenos actos
escapam à verdade recorrente
e quando os gestos os tentam acompanhar
dizem outra coisa de nós mesmos.
Nada que não se esperasse e não se tente evitar -
um mar de calmaria
um barco à deriva já dentro do porto
a certeza de que escapamos por pouco à dor maior.
(leva a maré a bom porto
disseram todos na despedida lenta
firmes no seu posto raso
maré vaza.)

Muitos de nós ficaram abandonados por entre as margens do mar
anos a fio -
na esperança muita de os recuperarmos
dragamos o fundo da água pouco profunda.

Não aparecem sempre, os destroços dos actos
em cada memória flutuam
e em cada sonho se transformam
desejam o que antes desejámos
não se conformam
desaparecem levados.

É a sua maneira de aparecer
não sabemos quem somos
a verdade é ser verosímil
ressurreição é palavra suficiente
nada que não se esperasse
diga-se que escapamos por pouco

(poema de Sérgio Godinho, in "O sangue por um fio"/Assírio & Alvim)

Sem comentários: