Mais de 100 mil pessoas já visitaram o blogue das “Quintas de Leitura”.
Número significativo, tratando-se de um espaço essencialmente direcionado para a divulgação da poesia portuguesa.
Decidimos festejar o feito de uma maneira singela.
Aos Amigos que, generosamente, vão esgotando as salas do TCA, e aos nossos críticos, (porque não?), dedicamos, com amor, este poema inoxidável:
SUPERMERCADO
- para a Ana Paula Inácio -
Tenho 38 anos e sei finalmente o que
quero. Basta olhar para o cesto
de compras: bolachas Leibniz, papel
higiénico Renova, leite com chocolate
Agros, uma garrafa de Famous Grouse
e pelo menos seis latas de Superbock.
Discos já tenho que cheguem, por muito
que me desminta, e não viverei o suficiente
para ler todos os livros que me ocuparam a casa.
É um bocadinho banal, eu sei, mas é a minha
prestação diária enquanto consumidor, o meu fado
simples, enxuto, quase isento de lágrimas & remorsos.
Acordo para almoçar no Doce Lindo (ou Doce Belo, ainda
não houve rotina que me fizesse decorar o nome),
passo pelo supermercado, onde desejo ou nem por isso
todas as ternas e voláteis isildas deste mundo perfeito
- e volto a subir devagar as escadas de madeira rombas.
Só muitas horas depois, quando as luzes
me garantem que o bairro inteiro dorme,
escrevo poemas como este, versos em que
inutilmente vos digo que sou um homem feliz,
un roseau pensant, o mais belo cadáver de Lisboa.
(MANUEL DE FREITAS, in “A Nova Poesia Portuguesa”)
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