29/01/10
a virgindade da maria luísa
maria, agora que já viste como
estamos longe de tudo, achas que
podemos passar ao nosso quarto
é certo que não virá quem nos
incomode. não creio que isso
possa horrivelmente acontecer
deixei sobre a cama uma
fina camisa de seda para ti,
e para mim reservo a própria luz
sim, ficarei sob uma determinada
luz, estive a pensar nisso e
é bem verdade o que concluí
melhor te pareço no moreno das
lâmpadas mais fracas, um pouco
ao jeito da cor das árvores
o que me torna num homem
mais forte, muito masculino
e sobretudo de aparência estável
(poema de valter hugo mãe / pornografia erudita / Cosmorama edições)
As imagens da BOMBA de ontem à noite
Ponto Interrogativo - Pedro Tochas
28/01/10
As notícias de hoje
26/01/10
valter hugo mãe nas "Quintas" na próxima quinta-feira
para o alberto pimenta
teve a coragem de amar uma mulher com fino cabelo de cristal. à noite, na escuridão da cama, não lhe tocava por amor, e por amor a mulher cuidou do seu cabelo, cada vez mais frondoso e delicado. por isso, passeava o casal orgulhoso de tanta beleza pelas ruas. entravam em casa só mais tarde, quando ninguém sobrava para ver. era também quando se amavam sem se poderem suportar. cada um para seu lugar sem dizer mais nada, com a tensa proximidade da violência. sem filhos, desligavam as luzes e emudeciam. era quando alguns animais irrompiam pelos poros das paredes e fungavam-lhes nos pescoços. o cabelo da mulher ondulava em cintilações no escuro, pela moléstia das pequenas cócegas e mordidas
(poema de valter hugo mãe / livro de maldições / objecto cardíaco)
25/01/10
"BOMBA" ESGOTADA

Já só faltam 3 dias para recebermos de novo nas "Quintas" o poeta valter hugo mãe.
Adivinha-se uma festa cheia de fulgor e momentos imprevistos.
Recordamos, de novo, o nome das estrelas mais brilhantes deste evento único e irrepetível:
poeta convidado
valter hugo mãe
leituras
Adolfo Luxúria Canibal
Isaque Ferreira
Rui Spranger
Sandra Salomé
violino
Ianina Khmelik
fotografia
Nelson D' Aires
dança
Tânia Carvalho
Luís Guerra
música
Tigrala
(Norberto Lobo, Guilherme Canhão e Ian Carlo Mendonza)
Quintas de Leitura: não é possível viver sem poesia.
22/01/10
poema sobre o domínio do mundo
as raparigas que visitavam o prisioneiro b33920 voltavam a casa grávidas de luz. depois, pariam em segredo ideias absurdas sobre um amor de aflição e afastavam-se lentamente da família. o prisioneiro, sensual, sabedor de tal feito, sorria mostrando o dente brilhante de quem ferrava rápido e sem piedade. tempos passados, tão longe as raparigas, eram procuradas pelos pais e pelas mães com saudade, vítimas de coração, que não as encontravam nem esqueciam. alguns homens desconhecidos afirmavam tê-las visto um dia. os pais e as mães acreditavam. aos homens, frequentemente, faltava uma orelha, um dedo ou até uma perna. e eles reiteravam que as tinham visto. mas, instigados com insistência, admitiam poder tê-las confundido com os dias mais claros
(poema de valter hugo mãe / livro de maldições / objecto cardíaco)
Entrevista de A. Pedro Ribeiro
O novo romance de valter hugo mãe
20/01/10
blues
caixa vazia, esperarei que se
compadeça apenas com pequenas
ervas e miniscúlos bichos à procura
do escuro e da aspereza da pedra.
e para mais nada servirei.
não serei sensível a coisa alguma e,
sem equívocos, a culpa será
toda tua, porque me disseste que
ficavas mas foste embora
dentro do coração, talvez, de tão
grande aridez, poderá surgir um
amor pela seca existência das
areias, acredito que um homem,
tão vazio quanto eu, um deserto,
queira sentar-se comigo para
sonhar com a humidade antiga
do beijo, e só esse gesto será todo
o amor permitido, nenhum outro
(poema de valter hugo mãe / pornografia erudita / Cosmorama edições)
18/01/10
o diabo ganiu de fúria quando me viu,
baixou a cabeça cem metros e encarou-me
pequeno e insignificante. por momentos,
não fez nada. reparei nos mutilados que me
traziam instrumentos de corte quando alguém me
ateou o fogo. depois, ele disse,
tens muito com que te entreteres, mas podes
começar por oferecer os pulmões à fome dos outros, no
inferno, como sabes, não se respira. e eu usei a adaga
para furar a pele e abrir caminho entre as
costelas, com a própria mão retirei
os pulmões e estendi-os no chão, pequenos,
fatiados
a margarida faz esborre
estou com o joão peste a
ver quem passa. o parque está
calmo e não há sobressaltos.
o joão pergunta, ei, senhor monstro,
quem lhe contou isso. rimos.
o senhor monstro quer sentar-se,
mas tem entre as pernas
a margarida que lhe entrou pelo cu.
que faz ela aí, perguntei eu
está à procura de ideias, disse
ele. se eu me sentar,
o mais certo é partir-lhe a
espinha das costas, desfazer-lhe os ossos.
dá-me pena
reparamos, antes ainda, que
os rapazes estão impossíveis,
ficam-nos com o dinheiro em troca
de um biscate. para irem buscar o
jornal já não chega que lhes digamos um
poema do cesariny, ou mesmo que lhes
prometamos bilhetes para os concertos.
gozam-nos as barrigas a crescer,
o lustro da calvice
os rapazes trazem o jornal, chupam
gelados, agarram nas moedas à pressa,
empurram o senhor monstro, ele cai,
a margarida faz esborre
(poemas de valter hugo mãe / pornografia erudita / Cosmorama edições)
a virgindade da amélia
aceita este livro, diria, mais bonito
do que os outros. encontrarás nele
imagens, sim, imagens que talvez te
surpreendam. mas não te assustes,
tantas vezes to peço, não te assustes.
repara na natureza das coisas, em como
é tão comum depararmo-nos com estas ideias
e talvez entendas
há uma pornografia erudita feita
para gente como nós. uma coisa assim entre
o querer fazer, a aflição espiritual
e o amor eterno
depois vem cá ter. juro-te que às
cinco em ponto da tarde não há ninguém
na casa dos meus pais
(poema de valter hugo mãe / pornografia erudita / Cosmorama edições)
Quase esgotado

Novo espectáculo de Pedro Tochas nas Quintas de Leitura
O comediante, na sua busca de encontrar novas formas de comunicar e estar em contacto com o público, criou "Ponto Interrogativo", uma mistura entre espectáculo, tertúlia, sessão de terapia em grupo e conversa de café, onde não faltarão os salgadinhos, bolachinhas e refrigerantes.
Esta performance/espectáculo/acontecimento vai ser completamente improvisada. Dez pessoas de cada vez, trinta minutos de partilha total com o artista. Tudo sem rede.
Cada sessão vai ser única e íntima. O resultado final será uma incógnita até para o próprio artista.
As possibilidades de participar neste "encontro" são várias:
Dias 4, 5 e 6 de Fevereiro. Cinco espectáculos por dia, nos seguintes horários: 21h00, 21h45, 22h30, 23h15 e 24h00. Os Bilhetes custam 6,00 e 9,00 Euros.
Avançamos, ainda, algumas recomendações para tirarem o máximo partido desta experiência única:
- tente fazer a sua sessão/espectáculo com desconhecidos;
- casais e grupos deverão procurar sessões diferentes para depois poderem partilhar o que aconteceu em cada sessão.
O TCA cá o espera para mais esta desconcertante aventura com Pedro Tochas.
(Fotografia de Raquel Viegas)
Fevereiro - espectáculo em estreia

CONSELHO PARA O PÚBLICO
(Sugerido por Pedro Tochas):
Ø PARA TIRAR O MAIOR PARTIDO DESTA EXPERIÊNCIA, É ACONSELHADO QUE TENTE FAZER A SUA SESSÃO/ESPECTÁCULO COM DESCONHECIDOS.
Ø CASAIS E GRUPOS DEVEM TENTAR IR A SESSÕES/ESPECTÁCULOS DIFERENTES PARA, NO FIM, PODEREM PARTILHAR O QUE ACONTECEU EM CADA UMA.
A POESIA DE VALTER HUGO MÃE
um dia, não passou pela porta da
cozinha.
como se nada fosse,
deu a volta pelo corredor e
abriu a entrada de portadas duplas e
seguiu gorda embora
um dia, saltaram os botões à
bata que vestia, quando se sentou e
a barriga quis espaço para cima dos
joelhos
um dia, apareceu num carro
escuro e chamou por mim. não
quis que o meu pai me oferecesse
dinheiro, achava que era demasiado
para o que eu valia
um dia, soubemos que não nos avisava de
estar em portugal. eu achava que era
muito convencida, como se lhe viessem
flores do cu por privilégio real
um dia, agarrou no meu braço prendendo-me.
suava, estava calor e parecia poder
derreter. disse-me mentiras por maldade. odiava
a candura dos meus doze anos. olhei para ela
e pensei, és uma puta gorda, és gorda e és porca
(poema de valter hugo mãe / pornografia erudita / cosmorama edições)
15/01/10
valter hugo mãe
tem o nome exactamente igual ao
meu. passa perto de mim a caminho
dos seus afazeres, triste, sem procurar,
como quem sabe chegar inevitavelmente ao
mesmo lugar de sempre. eu nunca diria
algo que pudesse atrasar-lhe o passo,
deixo-me ficar a vê-lo, convencido de
que sei o que acontece na sua vida, certo
de que entrará em casa, logo depois, com
a má sensação de soterrar a alma.
o rapaz dotado de três mortes
tem o rosto exactamente igual ao
meu. dirige-o para o chão e vê pequenas
pedras e grãos de areia, desvia-se do
lixo que moribunda pelo vento, os olhos
castanhos capazes de serem verdes pela luz
mais intensa do sol, o cabelo raro, a boca muito
fechada para dentro, poucos lábios, um queixo
redondo, feio, muito redonda toda a expressão,
delicada de mais para quem contém tanta
fúria para o bem e para o mal.
o rapaz dotado de três mortes
tem um sonho exactamente igual ao
meu. espera encontrar quem genuinamente o
queira, sem condições, como se esperasse
pela água e fosse semente e pudesse germinar
com o aspecto que lhe aprouvesse e ser, enfim,
de uma qualquer espécie sem reservas nem
preocupações.
o rapaz dotado de três mortes
só pensa em morrer. acorda para morrer.
pensa que a morte é a grande oportunidade. tudo
o mais é atrito no caminho. pensa que,
se houver deus, a morte é
verdadeiramente a oportunidade que conta. e
esforça-se por merecê-la.
hoje, sem que eu contasse, olhou para mim, não
disse nada, percebeu como éramos iguais e
não me estranhou. convenci-me de que já vira
outros como nós, à espera, fartos da vida
com ar de quem ainda quer mais. cheguei a casa,
pouco depois, soterrei a alma, permaneci
imóvel diante dos livros. pensei, há-de
haver um poema que me tire daqui, um
só poema que me traga a morte com toda a
benignidade do mundo
(poema de valter hugo mãe / pornografia erudita / cosmorama edições)
14/01/10
JANEIRO É MÊS DE VALTER HUGO MÃE NAS "QUINTAS"

Recordaremos, nos próximos dias, alguns textos emblemáticos da obra de valter hugo mãe.
erótica de fã
quero não ficar espantado se me nascer
um filho de tanto ouvir caetano veloso,
quero não explicar nada sobre este
tão grande amor
nossa senhora das andorinhas cansadas
no beiral do café, enquanto confessámos
ideias sórdidas sobre as pessoas bonitas,
pousavam as primeiras folhas de outono.
pensámos que as pessoas bonitas deviam
conferir trocos pequenos em lojas de
bairro e que, por uma moeda maior, nos
vendessem corpo e alma sem grande resistência.
pensámos que as folhas de outono, entristecendo
o café, deviam subir com o vento e
encalhar nas nuvens. em alto mar, se as nuvens
se cansassem, poderiam ser largadas
longe dos nossos corações predadores mas
tão aflitos com o amor. no inverno, pensámos,
não sermos amados é como estar na fila para
morrer. olhámos em redor e nada
(poemas de valter hugo mãe / pornografia erudita / cosmorama edições)
13/01/10
AINDA CESARINY
nada sobre esta mão nada na outra
dum lado o pé do outro a maresia
para os lados do rim a luz é pouca
e uma vez sem exemplo é que eu queria
josé sebag em hong-kong toca
um psaltério roído pela traça
dá as mãos amarelas a uma foca
que evoca uma descida até à graça
dos dois elevadores lança-se a louca
paço por paço constrói-se o tapume
deita-se o sexo à beira da tua boca
o cardeal tardini vai ao lume
o teu cabelo sobe pela praça
anunciam-se braços de garoupa
À JUSTA
vou aqui por este lado
a vistoriar o historiado
vou por aqui e vou bem
já o dizia a minha mãe
pobre morta é verdade
mas é assim a eternidade
vou depressa antes que anoiteça
e o campo de facto desapareça
e canto esta canção irregular
que é como canta quem anda a vistoriar
(poemas de Mário Cesariny)
12/01/10
AINDA A POESIA DE MÁRIO CESARINY
quem lê na infância está perdido
quem não lê na infância está salvo
andar de automóvel é um acto suspeito
não andar de automóvel não é um acto suspeito
o lisboa não anda de automóvel
o fernando não anda de automóvel
o henrique não anda de automóvel
o carlos não anda de automóvel
o carlos lê na infância
o pedro oom não anda de automóvel
há um lago de brilhantes na minha boca
a minha boca é uma passadeira branca
as bocas dos meus amigos são passadeiras brancas
a boca da maria josé é uma passadeira branca
o mário henrique é uma passadeira branca
o joão artur é uma passadeira branca
(...)
(Mário Cesariny / Primavera Autónoma das Estradas / Assírio & Alvim)
11/01/10
MÁRIO CESARINY, SEMPRE!

A sessão do próximo dia 28 de Janeiro ("BOMBA") é uma homenagem de valter hugo mãe ao Poeta Mário Cesariny. Vamos, nos próximos dias, recordar alguns poemas de Cesariny.
TOCATA
quando tu tocas Debussy
chove extraordinariamente
o sol as casas levemente doira
mas na saleta está-se bem
fazes sempre assim!
por mim
sinto um duende benigno que sorri
não bem de ti!
nada de Debussy!
mas do igual da hora
de sempre chover
de estar sempre frio lá fora
quando tu tocas Debussy
LAFCÁDIO
o que a minha mão segue
tem mais perplexidade que moral
nunca é só triste nunca é só alegre
é o instante a curva desigual
a seta desferida
pela gratuitidade acontecida
(poemas de Mário Cesariny / Manual de Prestidigitação / Assírio & Alvim)
07/01/10
OS POETAS CONVIDADOS DAS "QUINTAS"
28 de Janeiro
"BOMBA"
poeta convidado: valter hugo mãe
25 de Março
"PÕE A CASSETE DA TEMPESTADE"
poetas convidadas: Ana Salomé, Bénèdicte Houart, Catarina Nunes de Almeida e Filipa Leal
Outros poetas que fazem parte da programação para 2010:
Daniel Maia-Pinto Rodrigues
José Rui Teixeira
Rui Costa
Miguel-Manso
João Luís Barreto Guimarães
Rosa Alice Branco
Ana Luísa Amaral
José Luís Peixoto
Gonçalo M. Tavares
João Habitualmente
Sérgio Godinho
José Tolentino Mendonça
06/01/10
OS CONCERTOS DAS "QUINTAS"

Um comentário: muito boa música.
Vejam como não estamos a exagerar:
28 de Janeiro (22h00)
TIGRALA
Norberto Lobo (tambura) / Guilherme Canhão (guitarra acústica) / Ian Carlos Mendonza (vibrafone e percussão)
25 de Fevereiro (22h00)
B FACHADA
RAÚL PEIXOTO DA COSTA
25 de Março (22h00)
THE LEGENDARY TIGERMAN
04/01/10
OS MOMENTOS MAIS MARCANTES DO ANO NAS "QUINTAS DE LEITURA"
O programador parou para pensar, puxou pela memória, puxou dos apontamentos e fez alguns telefonemas secretos.
E, agora, quer partilhar convosco as suas opiniões.
OS 2 MELHORES ESPECTÁCULOS DO ANO:
Livre (Setembro 2009)
Fazes-me falta (Junho 2009)
MELHOR FLYER DO ANO:
Havemos de ir a Viana
MELHOR IMAGEM DO ANO:
Joana Rêgo em "Havemos de ir a Viana"
Mário Vitória em "Um poeta no sapato"
MELHOR PERFORMANCE DO ANO:
Álvaro Domingues em "A Rua da Estrada"
OS MELHORES CONCERTOS DO ANO:
Slimmy
B Fachada
Mazgani
Aldina Duarte
Raúl Peixoto da Costa (piano)
A REVELAÇÃO DO ANO:
Maria do Céu Ribeiro (leituras)
Quintas de Leitura: a força da Palavra.
RECEITA DE ANO NOVO
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade