03/11/09

ADÍLIA LOPES


Acaba de ser publicada pela Assírio & Alvim a poesia reunida de Adília Lopes. O livro, soberbo, intitula-se "DOBRA".
Nos próximos dias partilharemos convosco alguns poemas deste livro, que aconselhamos vivamente.

O BEIJO

Beijas-me na boca
e eu acordo
ou adormeço
Branca de Neve no esquife
Bela adormecida no mato
bicho do mato
que sou
anel nó selo leite
em que boiam papoilas
borboletas brancas
pano
em que me embrulho
em que te embrulho
nó górdio
anel Mobius
como-te comes-me

x-x

ADORMECER
(com algumas coisas de Maria Teresa Horta)


Preciso de te tocar
caule
gato
corda
mão
abraço-te
a tua roupa
tu
não te divulgo
o teu nome
os teus olhos azuis
a tua gentileza
espero que os partilhes
com alguém querido
como os partilhaste
comigo
amante querido
que não perco
que não deito fora
os meus amantes
não são Gillettes
(não são de usar
e deitar fora)
gosto de adormecer
a lembrar-me de ti
de como me sorrias
de como me olhavas
se os meus poemas
contribuíram para isso
são excelentes

x-x

Avó Alda de lar da terceira idade
em lar da terceira idade
até morrer
a fugir para a rua
a partir braços
a arranhar a cabo-verdiana
contratada para tomar
conta dela
arrancou os anéis dos dedos deformados
e foi pô-los na terra do vaso
da begónia
na varanda

x-x

Fui visitar o Amorinhos
à clínica
e podia não ter ido
agonizava na tenda de oxigénio
tinha sido envenenado
nunca mais o vi
ficava muito perturbado
quando ouvia Debussy

(poemas de Adília Lopes, in "Dobra" / Assírio & Alvim)

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