30/09/09
JOÃO RIOS
Perseguido por um cão
um sorriso de Gioconda
pela boca de um cego
acende o fole do acordeão
e a cambalhota do ego
latin-lover´s histéricos
anti-cristos profissionais
do coração
sequestram liberdades enviuvadas
e castidades sobrenaturais
entusiasmadas com a precedência
três bailarinas estrábicas e um filme
de smoking vestido
entraram em greve de fome em favor
das vítimas profissionais do segundo balcão
(poema de João Rios)
29/09/09
A. PEDRO RIBEIRO.
Está-me a bater aquela gaja da mesa do fundo
Estás-me a bater, gaja da mesa do fundo!
Olha! Vais lá para fora,
Que pena!
Agora que te ia oferecer o poema
Sabes que às vezes escrevo umas coisas fora do comum
Sabes que às vezes escrevo o que ninguém espera
Mas, olha, paciência
Já estou a olhar para outra
Sabes que me deixei de apaixonar facilmente
Por isso é-me difícil mudar de gaja
Mesmo que esteja sozinho
Vou tendo uma gaja
Sabes, assim para as emergências
A verdade, gaja,
É que fiquei vidrado em ti
Aquelas paixões que vêm de vez em quando
Ah! Afinal ainda sou capaz de me apaixonar
Estás-me a bater, gaja que já não estás
Na mesa do fundo
E venha a cerveja, ó Adriano!
Que isto de criar não é para todos
O poeta está com sede
O mundo assim não avança.
( poema de A. Pedro Ribeiro)
Casting para leitores de poesia começa amanhã
O ciclo poético Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre pretende descobrir novos talentos na leitura de poemas que possam vir a integrar o conjunto de recitadores associados a esta iniciativa, pelo que preparou um casting que começa amanhã e se prolonga, numa primeira fase, por três dias (de 30 de Setembro a 2 de Outubro).
Devido ao sucesso desta iniciativa, cujo número de inscrições ultrapassou todas as expectativas, nesta primeira fase estão já marcados três dias de casting intensivo, no qual serão ouvidas mais de 80 pessoas.
Cada candidato trará um poema à sua escolha e será convidado ainda a ler um outro poema, seleccionado pelo programador das Quintas de Leitura, João Gesta.
Os candidatos seleccionados serão convidados a participar em algumas das sessões regulares da programação das “Quintas de Leitura” em 2010.
Uma outra oportunidade ocorrerá numa segunda fase, a realizar até final de Novembro, para a qual estão previstos outros tantos inscritos.
28/09/09
Uma noite de tributo a José Luís Peixoto
24/09/09
SESSÃO ESGOTADA. OBRIGADO AO NOSSO FIEL PÚBLICO.
23/09/09
CARTA DE CONDUÇÃO
estacionado à frente de prostíbulos onde alugava
quartos com vista sobre o quintal dos vizinhos.
Esperava por semáforos, sem saber que esperava
apenas por ti. No auto-rádio, a tua voz cantava
fados demasiado velhos até para a minha mãe.
A segunda circular era uma manifestação pacífica
de pára-brisas, as palavras de ordem eram simples
porque ainda não sabia que já me tinhas escolhido.
Quando os outros rapazes folheavam revistas de
carros nas aulas de matemática, eu apenas me
interessava por unicórnios e farmácias abandonadas.
Agora, os meus olhos contam quilómetros nos teus,
procuro papéis entre os papéis do guarda-luvas e
tenho tanto medo que me vendas em segunda mão.
(José Luís Peixoto, in "Gaveta de Papéis"/ Edições Quasi)
22/09/09
A POESIA DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO
na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de põr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.
(JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "A Criança em Ruínas"/ Edições Quasi)
21/09/09
JOSÉ LUÍS PEIXOTO NAS "QUINTAS DE LEITURA"
Estes serão os heróis da próxima quinta-feira:
JOSÉ LUÍS PEIXOTO
AUGUSTO BRÁZIO
CATARINA NUNES DE ALMEIDA
MARGARIDA CARDEAL
SANDRA SALOMÉ
PEDRO LAMARES
PEDRO NUNES
ISABEL ARIEL
CINDY
RAÚL PEIXOTO DA COSTA
MÁRCIA
CRISTINA BACELAR
FÁTIMA SANTOS
SARA BARBOSA
ZAGALO
MAIS OS 300 ESPECTADORES QUE JÁ COMPRARAM BILHETE PARA A SESSÃO...
OBRIGADO A TODOS! - NESTA NOITE, A POESIA TOMARÁ CONTA DAS NOSSAS VIDAS.
18/09/09
POSTAIS
que rejeitavas, que te seguiam - o silêncio deixou
de ser solene.
Atirámos frases inteiras às paredes, somos crianças,
e rimo-nos. A história escreveu-se escreveu-se longe
das nossas mãos.
Não sabemos mais verdades do que a nossa.
Existiu um dia, perdido, em que nos encontrámos.
Podíamos celebrá-lo com discursos estruturados e
insignificâncias. Preferimos comê-lo - é um bolo
de creme.
X-X
E o amor transformou-se noutra coisa com o mesmo nome.
Era disto que falavam as mães quando davam conselhos
às filhas e diziam: o amor vem depois. Era isto o depois.
Uma ternura simples, quase dolorosa, muitos silêncios,
todas as horas do dia e um poema que se dissolve dentro
de mim e que, devagar, sem rosto, desaparece.
X-X
Sozinho, chego a uma cidade saqueada
e caminho com vagar, os braços quase
parados, olho para as portas abertas,
o que sobrou está espalhado nas ruas,
o ar é limpo porque ninguém o respira,
esta cidade, este silêncio, esta cidade,
tenho na pele do rosto o contrário
do choro de uma criança, esse tempo
já passou, tenho tranquilidade séria
e erosão porque esta é a nossa cidade
e porque sei que não te vou encontrar
quando chegar a casa, minha mãe.
(JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "Gaveta de Papéis"/ Edições Quasi)
17/09/09
Literatura Portuguesa no seu melhor
Quatro autores portugueses entre os 10 finalistas do Prémio PT
José Luís Peixoto é um deles.
São Paulo, 16 Set (Lusa) -- Quatro escritores portugueses e seis brasileiros estão entre os dez finalistas do Prémio Portugal Telecom em Língua Portuguesa 2009, informaram hoje os organizadores.
Entre os finalistas portugueses estão "A eternidade e o desejo", de Inês Pedrosa, "Aprender a rezar na era da técnica", de Gonçalo M. Tavares, "Cemitério de pianos", de José Luís Peixoto, e "Ontem não te vi em Babilónia", de António Lobo Antunes.
As obras "A viagem do elefante", de José Saramago, e "Rio das Flores", de Miguel Sousa Tavares, estavam entre os 50 finalistas mas não foram indicados para a disputa final, cujo resultado será conhecido a 10 de Novembro, em São Paulo.
RECORTES DE JORNAL
A situação é esta: os campos eram puros e limpos,
eu ateei muitos fogos, tinha fósforos e gasolina,
agora estou no exacto centro de todos eles,
cercam-me por todos os lados que não existem
para fugir, e espero pelo incêndio, apenas espero.
QUARTO
Os posters, colados com fita-cola,
arderam nas paredes. Os ursos de
peluche fecharam os braços e, por
quase nada, arderam sobre a cama.
Os cartões de estudante antigos, os
postais de férias e os três poemas
passados a limpo arderam dentro
da gaveta da mesinha-de-cabeceira.
Fiz dezasseis anos, chegou o verão e
os bombeiros não tiveram meios
técnicos e humanos suficientes.
(JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "Gaveta de Papéis" / Edições Quasi)
16/09/09
SIC Notícias | 20.02.2009 | Cartaz - As 3 Marias
Estarão na sessão de Quintas de Leitura de tributo a José Luís Peixoto, na noite de 24 de Setembro.
POSTAL DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO
terrenos de árvores húmidas, outono.
Os pais tentam sempre proteger os filhos,
essa é a natureza que corre nas árvores,
essa é a lei e esse é o sentido. É outono
e não poderia ser outra estação, começou
o frio e a fome, olho a força dos campos
pela janela submersa deste último outono
e compreendo por fim a minha idade:
chovem pais e filhos de mãos dadas.
Lá longe, sou pai. Lá longe, sou filho.
(JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "Gaveta de Papéis"/ Edições Quasi)
15/09/09
60.000
DUAS IRMÃS SOLTEIRONAS
VIVEM JUNTAS
COM UMA GATA
QUE NUNCA DEIXAM SAIR
UMA DAS IRMÃS CASA
A OUTRA PEDE-LHE
UMA CARTA
A RELATAR PORMENORIZADAMENTE
A NOITE DE NÚPCIAS
A OUTRA MANDA-LHE
UM TELEGRAMA
"MANA, SOLTA A GATA"
AS CIDADES DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO
O Porto é uma menina a falar-me de outra idade.
Quando olho para o Porto sinto que já não sou capaz
de entender a sua voz delicada e, só por ouvir, sou
um monstro que destrói. Mas os meus dedos são capazes
de tocar-lhe nos ombros, de afastar-lhe os cabelos.
Entre mim e o Porto, existem milímetros que são
muito maiores do que quilómetros, mesmo quando
os nossos lábios se tocam, sobretudo quando os nossos
lábios se tocam. De que poderíamos falar, eu e o Porto,
deitados na cama, a respirar, transpirados e nus?
Eis uma pergunta que nunca terá resposta.
(JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "Gaveta de Papéis" / Edições Quasi)
14/09/09
AS CIDADES DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO
O tempo diz-me que Helsínquia é um sonho
que nunca conseguirei concretizar.
Helsínquia é um fósforo a arder-me na ponta dos dedos.
Porque não sabia, desperdicei Helsínquia,
disse-lhe frases sem nexo e disfarcei-me de incêndio.
Há noites em que vejo a imagem desfocada de Helsínquia.
Comandado por ela, atravesso avenidas geladas
e queimo todos os objectos em que toco.
FOTOGRAFIA DO RIO DE JANEIRO
Não esperes por mim, Rio de Janeiro. Tu nunca exististe
e eu nunca existi enquanto escutávamos relatos de futebol
nas nossas próprias vozes. Contigo, ficaram suspensas
todas as avaliações que fizemos da vida, todas as decisões.
Contigo, é a fome ou a sede. As tuas mãos seguram-me
os braços, Rio de Janeiro, porque querem ter a certeza
de que estou aqui. As tuas mãos deveriam saber mais,
Rio de Janeiro. Eu sou o fantasma único da tua luz.
Eu sou o invisível invisível. E é desde esse lugar nenhum
que te peço: não esperes por mim, Rio de Janeiro,
não esperes por mim.
FOTOGRAFIA DE BUDAPESTE
Os monumentos de Budapeste e as suas ruas
são o mal que fiz a uma rapariga de olhos grandes.
Às vezes, lembro-me de Budapeste a propósito de
pormenores: ganchos de cabelo, caretas ao espelho.
Quando eu e Budapeste passeávamos de mão dada,
havia uma espécie de justiça na copa das árvores.
Nesse tempo, não existia memória, éramos apenas
as nossas pegadas na neve. Budapeste não tem solução.
Passarão décadas e morreremos cheios de segredos.
(JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "Gaveta de Papéis"/Edições Quasi)
11/09/09
Sugestão Diabólica - Prokofiev
Raúl Peixoto da Costa de regresso às Quintas de Leitura. De cortar a respiração.
Márcia - A Pele Que Há Em Mim @ Fnac Coimbra 2009
Para ouvir no recital Livre, em 24 de Setembro de 2009.
AS "FOTOGRAFIAS DE CIDADES" DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO
São Francisco és tu e são as tardes que passávamos
no sofá, sentados ou deitados de todas as formas,
em todas as direcções. Não guardo ressentimentos
de São Francisco e chegará um tempo em que,
de novo, seremos capazes de passar um fim-de-semana
entre chapéus de sol e sol. A Califórnia não é eterna,
mas há um certo tipo de silêncio que se procura
sempre e que se encontra apenas muito raramente.
Esse é o teu brilho, São Francisco. Vais ver, teremos
camisas de flores coloridas e saberemos rir-nos
de tudo. E, contra todas as expectativas, quando
um de nós estiver a morrer, o outro estará lá.
FOTOGRAFIA DE ABIDJAN
Abidjan tem cicatrizes nas ancas.
Cuidadoso, pouso as mãos noutro lado,
seguro Abidjan pela cintura.
Não porque as cicatrizes sejam dolorosas,
há muito que Abidjan se habituou a elas,
mas porque me fazem impressão a mim.
As cicatrizes de Abijan foram-lhe feitas pela avó
com um ferro em brasa, quando era criança.
Eu e Abijan bebemos garrafas de coca-cola.
Seguramo-las como algo valioso,
somos senhores por um momento.
Abidjan diz: mostra-me o teu quarto,
e eu, não sou capaz de resistir.
FOTOGRAFIA DE MADRID
Madrid regressará sempre. São precisos anos
para aprender aquilo que apenas acontece com
a distância de anos. É por isso que posso afirmar
que Madrid regressará sempre. Não sei que tipo
de entendimento encontrámos. Eu e Madrid não
nos conhecemos bem. Sabemos o essencial e
inventamos tudo o resto. Tanto a minha vida,
como a vida de Madrid, já tiveram muitas formas.
No entanto, quando nos encontramos, somos
sempre o mesmo nome. Avaliamo-nos por
cicatrizes e pequenas marcas de idade.
Não estabelecemos metas, estamos cansados.
Eu e Madrid só queremos uma cama, mas,
se não houver, contentamo-nos com o chão e,
se não houver, contentamo-nos com um abraço.
(JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "Gaveta de Papéis"/ Edições Quasi)
10/09/09
Música, tango e striptease em tributo a José Luís Peixoto
O escritor regressa às Quintas de Leitura
O dia 24 de Setembro marcará a 7ª presença do poeta José Luís Peixoto nas "Quintas de Leitura". A sessão, intitulada "LIVRE", realiza-se às 22h00 no Auditório do TCA.
José Luís Peixoto irá revelar-nos, em primeiríssima mão, alguns fragmentos do seu novo romance, a publicar ainda este ano pela Editora Quetzal.
Esta sessão deverá também ser entendida como um tributo das "Quintas de Leitura" ao Poeta. Reconhecemos a fidelidade e a atenção que José Luís Peixoto tem dedicado a este ciclo e queremos agradecer-lhe esse afecto.
Para tal, foi montada uma grande festa da Poesia que incluirá leituras, dança, imagem e muita música. Um espectáculo com a duração de cerca de 150 minutos, cheio de momentos inusitados e muitas surpresas.
Participam nas leituras os actores Pedro Lamares, Sandra Salomé e Margarida Cardeal e também a poeta Catarina Nunes de Almeida. Pedro Nunes será o mestre-de-cerimónias da festa.
Na dança, presença da bailarina Isabel Ariel. Assinale-se ainda um momento de striptease assegurado pela dançarina romena Cindy.
A imagem da sessão será assinada por Augusto Brázio, cúmplice de José Luís Peixoto em muitas aventuras fotográficas.
Por fim, momentos sempre esperados nas "Quintas de Leitura": a música.
O jovem e laureado pianista Raúl Peixoto da Costa vai, como habitualmente, deixar-nos sem respiração. A presença encantatória de Márcia (voz e guitarra), novo talento da música portuguesa. Por fim, o som do novo projecto do Porto "As 3 Marias", grupo constituído por Cristina Bacelar (guitarra e voz), Fátima Santos (acordeão), Sara Barbosa (Contrabaixo) e Zagalo (percussão) - tango clássico misturado com flamenco, bolero, bossa, jazz e tango canção.
Mimos para Peixoto, antes da sua partida para a Roménia e para a Argentina, entre muitos outros países. Um espectáculo total, imperdível, para pessoas que gostam de emoções fortes.
Espectáculo para maiores de 18 anos, não vá o diabo tecê-las.
Nota: bilhetes entre 6 e 9 euros.
Fotografia: Augusto Brázio.
MONÓLOGO
Entrego-te o meu nome e permaneço imune
ao mundo, à mentira e à passagem dos anos.
Romeu adolescente, perdido e camuflado
nas minhas ilusões. Lírico Romeu, que volto
a baptizar, agora com sangue em vez de água.
Coincidimos à frente e atrás de uma pistola
carregada. Romeu, o teu nome chama-me
pela voz com que a morte chama o amor.
Somos derrotados por um outono defeituoso,
como por um poema errado ou pelo mar. Ali,
pouco longe, um túmulo precisa do nosso calor.
(José Luís Peixoto, in "Gavetas de Papéis"/ Edições Quasi)
09/09/09
CASTING DAS "QUINTAS DE LEITURA"
AS CONTAS DAS "QUINTAS"
José Luís Peixoto - 6 presenças
valter hugo mãe - 5
Gonçalo M. Tavares - 4
Jorge Sousa Braga - 3
Nuno Júdice - 3
Daniel Maia-Pinto Rodrigues - 3
Filipa Leal - 3
AS PRESENÇAS DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO NAS "QUINTAS"
Recordamos hoje as suas anteriores aparições no ciclo:
20 Março 2003
NÃO ME PERGUNTES QUEM SOU
apresentação de Rui Reininho
22 de Abril 2004
DANÇA DO PÓ
19 de Maio 2005
MORRESTE-ME
18 de Maio 2006
CAIR ATRAVÉS DO CÉU DENTRO DE UM SONHO
19 de Abril 2007
UNICÓRNIOS E FARMÁCIAS ABANDONADAS
apresentação de Rui Moreira
17 de Abril 2008
DESMANTELAMENTO DE UM RIO
A NÃO PERDER:
24 Setembro 2009
LIVRE
08/09/09
OUTRO POSTAL DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO
e o silêncio das ondas paradas de encontro às
rochas. O teu rosto dentro das minhas mãos.
Os meus dedos sobre os teus lábios e a ternura,
como o horizonte, debaixo dos meus dedos.
Os meus lábios a aproximarem-se dos teus lábios.
Os teus olhos entreabertos, os teus olhos e os
teus lábios a aproximarem-se dos teus lábios
a aproximarem-se dos teus lábios a aproximarem-se
dos meus lábios, teus lábios.
(JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "Gaveta de Papéis"/ Edições Quasi)
07/09/09
MAIS POESIA DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO
Um postal de José Luís Peixoto, o nosso próximo convidado:
Quando me cansei de mentir a mim próprio,
comecei a escrever um livro de poesia.
Foi há duas horas que decidi, mas foi há muito
mais tempo que comecei a cansar-me. O cansaço
é uma pele gradual como o outono. Pausa.
Pousa devagar sobre a carne, como as folhas
sobre a terra, e atravessa-a até aos ossos,
como as folhas atravessam a terra e tocam
os mortos e tornam-se férteis a seu lado.
A cidade continua nas ruas, as raparigas riem,
mas há um segredo que fermenta no silêncio.
São as palavras, livres, os livros por escrever,
aquilo que virá com as estações futuras.
Há sempre esperança no fundo das avenidas.
Mas há poças de água nos passeios. Há frio,
há cansaço, há duas horas que decidi, outono.
E o meu corpo não quer mentir, e aquilo que
não é o meu corpo, o tempo, sabe que
tenho muitos poemas para escrever.
(José Luís Peixoto, in "Gaveta de Papéis"/ Edições Quasi)
04/09/09
PARABÉNS, ZÉ LUÍS!
Dedico-lhe, teclado à altura do coração, um pensamento perfeito, que me tem acompanhado pela vida fora:
"Aqueles que falam de revolução e de luta de classes, sem se referirem explicitamente à vida quotidiana, sem compreenderem o que há de subversivo no amor e de positivo na recusa dos constrangimentos, esses gajos têm um cadáver na boca."
(Raoul Vaneigen)
"LISTA DE TAREFAS" DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO
Como se ontem e os dias antes de ontem
se tivessem desfeito sobre as prateleiras,
como se pudéssemos escrever palavras
nas suas cinzas com a ponta do dedo,
como se bastasse soprar para vermos
as suas imagens de novo, numa nuvem.
LAVAR A LOIÇA
E destruir todas as provas de uma noite:
dois copos, dois corpos, garfos espetados
nas costas, facas como palavras repetidas.
E acreditar que o mundo recomeça na água.
A circunferência certa dos pratos, a cor
absoluta do branco. E esquecer outra vez.
(JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "Gavetas de Papéis"/ Edições Quasi)
A POESIA DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO
Até ao fim do segundo acto, continuo convencido
de que sou imortal. Os meus dedos são Medeias
feitas de aço, ou são papéis, ou são mesmo dedos,
mas estão embaraçados numa contradição negra.
Com o fim do terceiro acto a aproximar-se, com o fim
a aproximar-se, reparo no pó e nos pormenores da ruína.
O meu estômago desfaz-se dentro de mim. Já não sou
o rapaz que desprezaste durante todo o segundo acto.
Houve qualquer coisa adiada e tudo foi tão breve.
Polvilho a palavra agora pelas conversas, deixo
de saber aquilo que sou, os meus olhos sobrevoam
os objectos e constato que o mundo é assim-assim.
03/09/09
QUEM TE AVISA...
Com calças de poeta, camisa de poeta e casaco
de poeta, os poetas dirigem-se ao supermercado.
As pessoas que estão sozinhas telefonam muitas vezes,
por isso, os poetas telefonam muitas vezes. Querem
falar de artigos de jornal, de fotografias ou de postais.
Nunca dês demasiado a um poeta, arrepender-te-ás.
São sempre os últimos a encontrar estacionamento
para o carro, mas quando chove não se molham,
passam entre as gotas de chuva. Não por serem
mágicos, ou serem magros, mas por serem parvos.
A falta de sentido prático dos poetas não tem graça.
(JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "Gaveta de Papéis"/Edições Quasi)
02/09/09
O POETA CONVIDADO DE SETEMBRO
Retomamos hoje a publicação de alguns poemas da sua autoria.
CERTIDÃO DE NASCIMENTO
Portugal, encho a boca com esta palavra, mastigo-a.
Preencho impressos com os números de uma data
em que tinha 3 quilos e 700 gramas.
Portugal é o nome de pessoas que telefonam umas
às outras, que se ultrapassam na auto-estrada e
que se despedem com a mesma sílaba.
O dia em que nasci é a minha mãe com as pálpebras
desmaiadas sobre os olhos, a pensar em labirintos e
a tricotá-los no centro dos seus sonhos.
Portugal e o dia em que nasci misturam-se sem
perderem cor, são matérias complementares
na lamela de um microscópio.
Portugal e o dia em que nasci são irmãos gémeos,
vestidos de igual, que os parentes mais próximos
se entretêm a tentar distinguir.
O dia em que nasci é Portugal, um país completo,
mas Portugal é muito mais do que apenas um dia,
Portugal é o instante exacto em que nasci.
(José Luís Peixoto, in "Gaveta de Papéis"/Edições Quasi)
01/09/09
JOAQUIM CASTRO CALDAS
PARÁBOLA DA PEQUENEZ
uma vez um portuguez à vez
tinha medo de ser alegre
e um portuguez de vez
vergonha de ser diferente
ambos tinham inveja
de um terceiro portuguez
que era burguez
ora o facto levou o primeiro
portuguez à loucura
e o segundo à estupidez
ao saber disto um quarto
portuguez que ia a passar
mandou dizer que se sentia
imensamente feliz
(Joaquim Castro Caldas)